Para contribuir
no debate sobre as causas e
desdobramentos do Golpe Militar de 64 trago aqui hoje,uma discussão que faz parte destes
desdobramentos, diante do que
aconteceu,ou seja,um golpe sem reação nenhuma.
Todo mundo sabe
que houve uma discussão,cada vez maior na oposição,quanto ao modo de não
permitir que um general passasse para outro o poder,quando a “ candidatura” do
General Costa e Sila se “ consolidou”.Os militares gostaram do brinquedinho
político que a direita deu a eles de bandeja.Esta
direita,representada,claro,por Carlos Lacerda ,intentou a Frente Ampla,que só
serviu para justificar mais e mais medidas duras.
Mas na esquerda
isto ocorreu também,mas a partir de determinados fundamentos teóricos sobre os quais
ninguém mais se refere,porque talvez se ache que a esquerda não exista mais.
O fundamento
teórico era saber se a ditadura
implantada no Brasil era fascista ou
não.
Muito embora a
luta armada tenha começado em 64 mesmo,com a guerrilha de Caparaó,que não
prosseguiu,costuma-se dizer que ela apareceu de fato após o AI-5. A direita
militar diz que a intenção era fazer a luta armada a partir de 67,usando como
prova a reunião da olas,em 67,em Cuba,da qual participou,entre
outros,Marighela.
Mas o fato mais importante
teve lugar no ano de 1967,com o VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro e
foi neste Congresso que a discussão sobre a natureza do regime militar
começou.Na verdade ele não parou a luta armada,mas a sua análise mostra em que
termos os argumentos foram brandidos pelos diversos setores da esquerda para
justificar a luta política,como queria o PCB,e
a luta armada,como queria o mesmo Marighela e outras organizações.
O livro que
resume esta discussão foi lançado em 1972 pelo professor Leandro Konder e se
intitulava “ Sobre o Conceito de Fascismo”.Não se diga que a luta armada
estudantil tinha acabado então,porque muitos estudantes se associaram,neste
ano,ao projeto do PC do B de Guerrilha do Araguaia.E o livro resumia discussões
que vinham do ano de 1967.
Conceituando o
fascismo Konder demonstrava que o que acontecera no Brasil não tinha similitude
com o fenômeno que dominara nos anos vinte e trinta a Itália e a Alemanha.O que
caracteriza o fascismo é uma completa dominação do Estado por parte não só da
burguesia e seus partidos,mas também pela força militar,acrescida de uma
polícia política.Mais do que isto o que define o fascismo desde a sua criação
por Mussolini(que vinha do Partido Socialista Italiano)é lutar contra a
ascenção do mundo do trabalho,organizado agora pelos sindicatos,dominados por
setorres trabalhistas,no inicio e depois,pelos comunistas.Não importa que na
Alemanha o anti-semitismo tenha unificado o movimento nacional socialista.A sua
origem social e construção política se baseiam num pacto das elites contra não
apenas os comunistas,mas contra os sindicatos e o mundo do trabalho.
Há um episódio
famoso,citado em outro livro, por Konder,que opõe no Parlamento Italiano dos
anos 20, Gramsci a Mussolini.Este último afirmava que o fascismo era a favor
dos trabalhadores,pois,inclusive,tinha garantido pela primeira vez uma sua
reinvindicação,a jornada de oito horas.Gramsci ,contraditando o ditador,disse
que o fascismo era uma forma de controle dos trabalhadores,a partir de uma
necessidade,financiada inclusive,pelas classes altas,de barrar o avanço livre
dos trabalhadores,que poderiam tomar o Estado e acabar com o monopólio da
burguesia.
Acrescente-se
hoje o conceito de totalitarismo,que não está presente no livro de Konder,mas
que é verdadeiro.Os regimes fascistas são totalitários,invadem a sociedade
civil,de maneira absoluta,para garantir a sua hegemonia.
Contra este tipo
de Estado,a luta política é fundamental,como sempre é,mas ela pode adquirir a
necessária participação das armas,para contraditar o seu poder absoluto ,nos
termos acima explicados.
No
Brasil,diferentemente do que aconteceu no Cone Sul,os espaços da política ainda
sobreviviam,apesar da hegemonia dos militares,da força militar.
Os setores
radicais da esquerda que enveredaram pela luta armada,achavam que por causa de
só haver uma hegemonia das armas,era possível derrubar o governo usando-as também,sem pereceber que estes
espaços sociais em volta do regime,que oscilavam entre a abulia legitimadora e
o franco apoiamento do regime,não os seguiriam.
Também é preciso
ressaltar que mesmo que fosse verdade o fundamento dos radicais, não era com
meia dúzia de revólveres velhos que isto seria factível.Só o seria se a
sociedade civil fosse ganha para o projeto,porque assim revólveres melhores
estariam à disposição.
Não havia outro
jeito senão o de ganhar a sociedade civil,que depois de 64 se unificou na
oposição ao regime,para derubar um regime,que era mais legitimado por aquela
abulia do que por amplos setores da sociedade civil.
Mesmo nos
regimes mais próximos do fascismo,a luta militar nunca prescinde da
participação das massas,mas se o regime brasileiro o fosse a questão do uso da
força era mais factível e necessária do que nas circunstâncias históricas de
implantação do regime de 64 e seus desdobramentos.
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