quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Golpe


 
 Lembrança de uma discussão

Para contribuir no debate sobre as  causas e desdobramentos do Golpe Militar de 64 trago aqui  hoje,uma discussão que faz parte destes desdobramentos, diante do  que aconteceu,ou seja,um golpe sem reação nenhuma.

Todo mundo sabe que houve uma discussão,cada vez maior na oposição,quanto ao modo de não permitir que um general passasse para outro o poder,quando a “ candidatura” do General Costa e Sila se “ consolidou”.Os militares gostaram do brinquedinho político que a direita deu a eles de bandeja.Esta direita,representada,claro,por Carlos Lacerda ,intentou a Frente Ampla,que só serviu para justificar mais e mais medidas duras.

Mas na esquerda isto ocorreu também,mas a partir de determinados fundamentos teóricos sobre os quais ninguém mais se refere,porque talvez se ache que a esquerda não exista mais.

O fundamento teórico era saber se  a ditadura implantada no Brasil era  fascista ou não.

Muito embora a luta armada tenha começado em 64 mesmo,com a guerrilha de Caparaó,que não prosseguiu,costuma-se dizer que ela apareceu de fato após o AI-5. A direita militar diz que a intenção era fazer a luta armada a partir de 67,usando como prova a reunião da olas,em 67,em Cuba,da qual participou,entre outros,Marighela.

Mas o fato mais importante teve lugar no ano de 1967,com o VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro e foi neste Congresso que a discussão sobre a natureza do regime militar começou.Na verdade ele não parou a luta armada,mas a sua análise mostra em que termos os argumentos foram brandidos pelos diversos setores da esquerda para justificar a luta política,como queria o PCB,e  a luta armada,como queria o mesmo Marighela e  outras organizações.

O livro que resume esta discussão foi lançado em 1972 pelo professor Leandro Konder e se intitulava “ Sobre o Conceito de Fascismo”.Não se diga que a luta armada estudantil tinha acabado então,porque muitos estudantes se associaram,neste ano,ao projeto do PC do B de Guerrilha do Araguaia.E o livro resumia discussões que vinham do ano de 1967.

Conceituando o fascismo Konder demonstrava que o que acontecera no Brasil não tinha similitude com o fenômeno que dominara nos anos vinte e trinta a Itália e a Alemanha.O que caracteriza o fascismo é uma completa dominação do Estado por parte não só da burguesia e seus partidos,mas também pela força militar,acrescida de uma polícia política.Mais do que isto o que define o fascismo desde a sua criação por Mussolini(que vinha do Partido Socialista Italiano)é lutar contra a ascenção do mundo do trabalho,organizado agora pelos sindicatos,dominados por setorres trabalhistas,no inicio e depois,pelos comunistas.Não importa que na Alemanha o anti-semitismo tenha unificado o movimento nacional socialista.A sua origem social e construção política se baseiam num pacto das elites contra não apenas os comunistas,mas contra os sindicatos e o mundo do trabalho.

Há um episódio famoso,citado em outro livro, por Konder,que opõe no Parlamento Italiano dos anos 20, Gramsci a Mussolini.Este último afirmava que o fascismo era a favor dos trabalhadores,pois,inclusive,tinha garantido pela primeira vez uma sua reinvindicação,a jornada de oito horas.Gramsci ,contraditando o ditador,disse que o fascismo era uma forma de controle dos trabalhadores,a partir de uma necessidade,financiada inclusive,pelas classes altas,de barrar o avanço livre dos trabalhadores,que poderiam tomar o Estado e acabar com o monopólio da burguesia.

Acrescente-se hoje o conceito de totalitarismo,que não está presente no livro de Konder,mas que é verdadeiro.Os regimes fascistas são totalitários,invadem a sociedade civil,de maneira absoluta,para garantir a sua hegemonia.

Contra este tipo de Estado,a luta política é fundamental,como sempre é,mas ela pode adquirir a necessária participação das armas,para contraditar o seu poder absoluto ,nos termos acima explicados.

No Brasil,diferentemente do que aconteceu no Cone Sul,os espaços da política ainda sobreviviam,apesar da hegemonia dos militares,da força militar.

Os setores radicais da esquerda que enveredaram pela luta armada,achavam que por causa de só haver uma hegemonia das armas,era possível derrubar o governo  usando-as também,sem pereceber que estes espaços sociais em volta do regime,que oscilavam entre a abulia legitimadora e o franco apoiamento do regime,não os seguiriam.

Também é preciso ressaltar que mesmo que fosse verdade o fundamento dos radicais, não era com meia dúzia de revólveres velhos que isto seria factível.Só o seria se a sociedade civil fosse ganha para o projeto,porque assim revólveres melhores estariam à disposição.

Não havia outro jeito senão o de ganhar a sociedade civil,que depois de 64 se unificou na oposição ao regime,para derubar um regime,que era mais legitimado por aquela abulia do que por amplos setores da sociedade civil.

Mesmo nos regimes mais próximos do fascismo,a luta militar nunca prescinde da participação das massas,mas se o regime brasileiro o fosse a questão do uso da força era mais factível e necessária do que nas circunstâncias históricas de implantação do regime de 64 e seus desdobramentos.

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