Num
debate eleitoral dos anos oitenta ,atinente à disputa para a prefeitura Rio de
Janeiro,que reunia figuras como Gabeira ,se não me engano Darcy Ribeiro e Guilherme
Palmeira,este último saiu-se com esta “eu acredito que o homem é como disse
Kant :um ser racional por excelência”.Eu não sei se foi exatamente isto o que
ele disse mas é por aí.
Imediatamente
Gabeira redarguiu: “Ui Socorro!Vamos deixar Kant pra lá!”.Tal “ diálogo” entre
os candidatos teve muitas repercussões a
favor e contra Kant.
Na
eleição posterior opondo Alvaro Valle e Colagrossi este último veio com um modo
d e fazer politica diferente,mais popular se referindo à novela de sucesso da
época “Vale Tudo”,que girava em torno das relações entre mãe e filha:Raquel,interpretada
por Regina Duarte ,a honesta,e Maria de Fátima,por Gloria Pires,a arrivista
desonesta.Ele dizia : “nós devemos ser como Raquel e não como Maria de Fátima”.Ele
parecia dar uma lição em Guilherme Palmeira e muito justa.
Esta
narrativa retrata como a esquerda intelectualista “ entende” a politica,desde
Marx:um fundamento intelectual(não científico)deve dirigir a politica e a
capacidade do povo compreendê-lo se resolve forçando-o a estudá-lo.
O
que Platão preconizara 2000 anos antes.Contudo a politica ,se quiser aproximar-se
do povo,a quem ela se dirige e é a sua
base soberana,não tem como prosperar com este “ vicio de origem intelectualista”.
Do
que adiantou para Guilherme Palmeira citar Kant?A eleição é para saber quem tem
melhores propostas para o povo.Citar Kant ajudou?
A
partir destas premissas,porque o povo deveria ler Kant?
Balzac
,mentor intelectual de Marx,era obcecado em se tornar rico,como homem de
direita que era.Já no final da vida,desejando casar-se com o seu grande amor,a
condessa polonesa Eveline Hanska,se meteu a fazer uma empresa para extrair diamantes
e ficar rico.
Mas
sem conhecimentos práticos ,intelectual e artista como era,meteu os pés pelas
mãos e acabou falindo ,repleto de dívidas.
Marx
elaborou 8 biblias ,que é O Capital ,em seus quatro volumes.Podemos falar em
nove ,se considerarmos os grundrisse .
Pensando
que fosse um cientista semelhante ou igual a Newton ou Darwin sempre teve a convicção
de que era essencial à classe operária a sua obra.
Morreu
angustiado porque a tradução inglesa não havia ainda sido feita ,num país onde
a classe operária era a mais forte e mais organizada.
Historicamente
,no entanto,não foi esta classe que leu a sua obra,mas a classe média e somente
nos anos sessenta do século passado.
Mesmo
na Russia,depois URSS,a leitura de O Capital não foi tanta assim.
Muitos
autores e o Papa João Paulo II inquinaram Marx de possuir enorme capacidade de
expressão e explicação,sem ,porém ,deter a habilidade socrática de discernimento.
É
a famosa “concupiscência do pensamento”,da primeira encíclica de Karol Woytila.
Eu
não acho esta asserção verdadeira ,exceto por uma coisa básica:o esforço intelectual
é como construir uma catedral complexa com as mãos ou conquistar um
continente,como um viking,segundo a metáfora de Freud.
Uma
pessoa assim perde contato com este real do cotidiano,onde está o povo,comum,na
sua labuta.
Não
faz diferença,a meu ver,saber o Capital,para edificar o comunismo ou solucionar
os problemas sociais.
É
assim que eu entendo a frase de Deng Xiao-Ping “ não importa a cor do gato
desde que ele pegue o rato”.
Não
adianta obrigar o povo a ler uma obra alentada se ele não sabe se vai comer no
dia seguinte e é no mundo real que estão as condições para o comunismo e a
solução das questões sociais.
Como
Balzac,Marx(e outros intelectuais)acha
que o seu esforço ciclópico “ liberta” o povo,mas isto não é verdade,porque ele
nega,por idealismo cientificista ,que não é a análise que permite esta “
libertação”,mas a pratica e a experiência constante dos povos,onde o
intelectual está como qualquer outro ator,segundo a visão de Kant.
Como
um autor como Marx não entende este problema é que causa espécie:é uma demonstração
de que por mais capaz que seja a inteligência,o mundo real independe do
intelectual.O mundo real onde o conhecimento está e se modifica no tempo.
Talvez
se Marx tivesse esta percepção,escrevesse menos e alcançasse mais efetividade
nas suas intenções.
E
Guilherme não teria perdido a eleição e
entrado para o folclore politico.
Sabem
explicar a relatividade,mas não prescrutam o mundo real.É o burro genial.