sábado, 29 de junho de 2019

Neymar e Garrincha II

Quero continuar a analisar a situação destes dois exemplos brasileiros acrescentando algumas coisas fundamentais sobre o significado deles para o nosso país.
Um dos meus temas recorrentes é o princípio kantiano “ o mal radica na humanidade”,mas existe um outro semelhante ,mas não igual,provindo de Nietzsche,dando conta de que “ o homem é um ser errante”,ou seja,o erro faz parte da vida humana.
De um modo geral esta constatação óbvia define inclusive muitas das atitudes profissionais que se deve ter:as profissões que tratam diretamente da vida devem diminuir esta errância num procedimento coletivo,que evita que uma pessoa só se responsabilize por algo tão importante.Assim é com a medicina,a cirurgia;com os tribunais,em que muitos julgam em diversas instâncias e daí por diante.
O ser humano não tem meios de acertar sempre.A certeza absoluta paralisa o tempo,já põe a verdade antes de sua procura e a verdade não é univoca nem monolitica.
Eu aplico este princípio de Nietzsche à Garrincha.Muita gente(aí pelas radios)só se refere aos acertos de Garrincha e isto parece ser um princípio de vida.Eu mesmo comungo dele:deve-se buscar acertar mais do que errar mas é impossível não errar.
Contudo, a consideração do erro,como do mal, é a condição de acertar mais e de ser bom.O não considerá-lo é incidir nele e perder a oportunidade de aprender.
A educação é tão importante que até da derrota se tira um aprendizado.Eu já me referi a isto com relação a Maquiavel,que escreveu o “Principe” porque não pode ele próprio fazer a unificação italiana,que é o que ele desejava,para ficar na História.Mas há outros de aconselhadores.Os aconselhadores comumente são derrotados ,que ,buscando as razões de seus respectivos fracassos,apontam caminhos e obtêem imortalidade.Como é o caso de Clausewitz,derrotado por Napoleão e que escreveu um livro clássico sobre a guerra.
Quando digo que Garrincha tinha momentos de fracasso e errância é exatamente para tirar consclusões importantes como eu tirei no artigo anterior.Mas agora o que quero ressaltar é que a ocultação do erro serve a propósitos de idealização,quiçá úteis para ganhos econômicos e propagandísticos(ibope radiofônico).Ou talvez para aplacar descompensação emocional cotidiana das pessoas:se identificar com um absolutamente vitorioso Garrincha cria para si próprio uma auto-ilusão,capaz de eventualmente aumentar a auto-estima.
Garrincha errava sim,cometia destatinos profssionais e é preciso destacar issto para que ele não sirva de um modelo distorcido do povo brasileiro,que,como qualquer povo,para mudar,deve olhar para si mesmo e sua errância essencial.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Neymar e Garrincha

Não gosto,como todos sabem,de falar de questões pessoais,mas quando elas influenciam a sociedade,a cultura e têm uma consequencia conceitual sobre a sociedade eu não posso me recusar a fazer considerações.
Aqui nos meus textos tenho feito mudanças na concepção metodológica que me orienta:limitei o papel racional dedutivo de Aristóteles para incorporar o método sociológico descritivo compreensivo de Weber,entre outros.
O método de Aristóteles funciona assim:
Razão
emoção
Corpo
sociedade
individuo
coletivo
Definição essência
Definição
essência
Definição
essência
Definição
essência
Definição
essência
Definição
essência

Pelo método racional dedutivo formam-se padrões gerais sobre as coisas,sobre o mundo,definidas segundo a sua essência básica.No entanto estes padrões escondem o que está além desta essência:as características acessórias das coisas,do Ser,que são ele mesmo.
Se nós estabelecermos um padrão dedutivo racional perdemos estas outras características que não são padronizadas mas que jogam um papel decisivo na compreensão do problema estudado.
A filosofia compreensiva e a fenomenologia,unidas,dão um significado de conhecimento a esta unidade entre padrões e acessórios no Ser e no objeto.
Ainda que um fenômeno singular ,como Garrincha ou Neymar,não forme,por suas atitudes,um padrão geral a sua compreensão e descrição têm um valor de conhecimento,na medida em que influencia a sociedade e na medida em que se conecta com fenômenos e fatos sociais ,estes sim gerais,como o esporte,o futebol,a midia e os valores sociais expressados.A pura aplicação do racionalismo não alcança a maior complexidade dos fatos sociais e fenômenos sociais.
Aristóteles definiria a essência de Garrincha e Neymar só como jogadores de futebol,homens racionais e assim por diante,mas outros métodos mostram-nos mais próximos da realidade complexa que representam e que deve ser descrita se quisermos explicá-los o mais universalmente possível.
Neymar
Garrincha
brasileiro
brasileiro
miscigenados
miscigenado
cidadãos
cidadãos
Uma história de vida
Uma história de vida
Situação social
Situação social
Questões pessoais
Questões pessoais


Se fossemos usar só os padrões aristotélicos, só as características gerais definidoras apareceriam,mas usando a sociologia ,a descrição compreensiva, nós temos que escolher todos os elementos igualmente definidores destas pessoas(objeto de investigação).
Assim sendo chamar os dois de dotados de razão paralisa a nossa investigação,mas considerar estes elementos nos permite conectar estas figuras com o meio social brasileiro onde nasceram e têm como referência.
O que fazem Garrincha e Neymar tem um peso neste contexto sócio-psicológico,porque negativa ou positivamente eles influenciam a sociedade.
É aí que faço as minhas reflexões sobre estes dois icones brasileiros,começando por Garrincha:
Quando eu era pequeno ficava maravilhado com a minha mãe,cujos olhos brilhavam ao falar de Garrincha.Minha mãe era cafuza como Garrincha e se identificava com ele,com as conquistas recentes ,de 58 e 62.
Aos poucos fui percebendo que neste maravilhamento havia uma vingança contra o preconceito racial,que é o que estava por trás do significado histórico das conquistas.Um povo de mestiços se apresentava no proscênio global e as pessoas comuns,como ela,se identificavam e se sentiam capazes também de muitas realizações.O Brasil mudara.
A figura de Garrincha sempre foi exaltada justamente por esta façanha,mas no meu modo de entender,hoje,na plena maturidade(plena?),toda exaltação carrega em si algo de falso.Ninguém passa pela vida tendo só sucessos.
Os momentos menos felizes do jogador sempre foram escondidos por sua suposta invencibilidade como jogador.As fugidas noturnas,o seu caráter indiscutível de jogador,mas não-atleta,que se alimentava mal,apesar das exigências médicas,comendo mariolas à farta,sempre foram obscurecidos pelo anedotário em torno.
Mas isto constitui a meu ver um erro de avaliação geral,talvez induzida pelo entusiasmo destes anos ,em que o Brasil tinha um enorme cartaz e era objeto de curiosidade do mundo inteiro.
Nem sempre Garrincha jogava bem e a culpa era destes desatinos profissionais.Não era verdade(como não é agora com Neymar)que apesar destas arruaças,Garrincha chegava no jogo e resolvia,às vezes não.
O Botafogo teve uma expressão muito grande no campeonato estadual,o que não era pouco naquela época,porque o Brasil foi tricampeão praticamente só com grandes campeonatos estaduais,fato único no planeta esportivo.
Mas no plano nacional,no Rio-São Paulo,o Santos tinha hegemonia.
Depois,no final da carreira,o problema do joelho suscitou diversas acusações ao Botafogo,aos seus médicos,que teriam feito infiltrações destrutivas no torto ponta-direita.Mas eu pergunto:isto ficou provado?Isto não foi causado pela irresponsabilidade física do jogador?
Como é citado no livro de Ruy Castro “ Estrela Solitária”,Otávio Pinto Guimarães ,dirigente do Botafogo,não gostava destas atitudes de Garrincha,considerando melhor Nilton Santos.Não era por causa do fato de Garrincha ter chamado o dirigente de “ cabide”,mas porque,no entender do futuro presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro,Garrincha desrespeitava o clube,que afinal projeta o jogador.Será que ele não tinha um pouco de razão?A vida não é uma rua de duas mãos?Você tem direitos mas não tem deveres?Será que se um dirigente mais rigoroso enquadrasse Garrincha não o teria salvado dos problemas que ele enfrentou subsequentemente?Se alguém tivesse imposto limites,como a uma criança,a carreira do ponta não teria sido ainda maior?
Perguntas semelhantes eu faço em relação a Neymar:ele não tem noção de que deve alguma coisa ao povo brasileiro,que lhe dá projeção e fama?Não há para ele uma mediação entre ele mesmo e o dinheiro,que parece,agora,defini-lo absolutamente(se é que isto é possível)?
Em tudo isto há uma discussão sobre a profissionalidade.O povo brasileiro,que tem que trabalhar cedo e sofre realmente com a exclusão ,entende erradamente que ,por causa disto,pode fazer o que bem entende,exaltando uma postura aventurosa diante da vida e do trabalho,mas a vida é de duas mãos e passa pela redenção do povo brasileiro combinar as nossas características de alegria ,liberalidade e despreocupação(um certo hedonismo)com uma disciplina profissional exigente.Cada coisa no seu lugar:na vida pessoal se faz o que quiser,dentro da lei e da ordem moral construtiva,mas no trabalho e em outros loci públicos,a disciplina é fundamental.Esta distinção nos remete novamente ao problema da mentalidade republicana ,que não se entranha na consciência do povo brasileiro,mas tratarei disto na continuação deste artigo.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

O que é o Brasil

A definição de uma nação diferenciada(por isto definível)é algo complexo como a sociedade organizada nacionalmente é.O que é uma nação já foi definido há muito tempo,mas dentro de uma perspectiva utópica há que analisar outras questões para se chegar a ela(à utopia e à nação,seu meio ).Isto porque, como todos sabem,eu incorporo,diferentemente do marxismo,a nação como mediação de construção da utopia,que não é necessariamente aquela de Karl Marx.
As nações subsistem por muito tempo e ,pelo menos,alguns dos seus elementos básicos expressam uma razoável condição humana digna.
Neste sentido todas as nações devem ter fundamentos e esta perspectiva de dignidade:ninguém passa fome;nível de classe média,estabilidade politica;paz social;baixo nível de preconceito(uma das condições da paz social)entre outros.Mas antes destes elementos há que discutir aquilo que é comum às nações,os fundamentos comuns de qualquer lugar:homogeneidade social baseada na cidadania ,mas cimentada por confiança uns nos outros;interação mais de classe,do que ruptura;cidadania que une as diversas mediações culturais do país,como religiões,classes,categorias,estamentos.
Deixando de lado os erros do marxismo que não leva em conta o problema dos valores no âmbito dos países(não aprenderam as lições das “ revoluções de veludo” no leste europeu),para mudá-los no caminho de sua “ realização”,quer dizer ,no caminho dos fundamentos e no da Utopia ,é preciso considerar todos estes fatores para determinar o que é um país,uma nação,quais são as suas características distintivas.
E o que é o Brasil?