Eu ia fazer o
necrológio apenas do doutor Ivo Pitanguy,mas com o passamento de João Havelange eu resolvi ampliar este artigo
para o encômio de algumas qualidades que eu acho essenciais nas pessoas,apesar
dos seus defeitos.
Eu vou
dividir estas pessoas em dois grupos:Dr. Ivo Pitanguy,Flavio Rangel e Isaac Karabtchevski ,este último ainda
entre nós e o outro grupo se constitui só de João Havelange,porque são dois
temas diferentes:política e processo educacional.
Comecemos
pela política:
João Havelange,como qualquer político, é uma figura controversa,mas para mim o
seu saldo é positivo.Sei que muitos da esquerda vão achar isto um
despautério,mas eu entendo que João Havelange representou o progresso possível
e inevitável do futebol mundial.
É lógico,que
juntamente com os meus amigos da esquerda,eu queria uma internacionalização do
futebol que preservasse a arte em primeiro lugar,depois do dinheiro e as
características nacionais em detrimento da imposição deste modelo europeu que
está aí e que o acusam de criar,exagerando sua culpa.
Só teria sido
possível garantir,pelo menos para o
futebol brasileiro esta proteção, se o nosso futebol,internamente administrado
não se interessasse só pelo dinheiro e
não tivesse(não sendo culpa dos péssimos dirigentes brasileiros)perdido
a fábrica de jogadores,quando iniciou-se o período de especulação
imobiliária,que acabou ,entre outros,com os campos de várzea.
Isto tudo não
é culpa do Havelange.É um processo que vem se desenvolvendo à revelia dele e cá
entre nós culpá-lo de europeizar o futebol é dose,porque Havelange nunca
recebeu votos e apoio da Europa ocidental,inclusive universalizando o futebol(inevitável
tendência histórica)favorecendo povos do terceiro mundo.Para isso cometeu
exageros de colocar árbitros despreparados na copa de 90 na Itália
principalmente em que um deles marcou impedimento de lateral.Mas eram árbitros
das ilhas Fiji,Taiti,Arábia,Burkina faso ...que votavam nele.
Caberia a nós
críticos lutar pela preservação nacional das fábricas de jogadores,porque aí
nós teríamos condição de defender este produto,em nome do país e com grandes
jogadores era possível arrecadar mais
pelos clubes brasileiros,os grandes produtores e preparadores destes jogadores.
Que havia
tráfico de influência na FIFA isto é inevitável na política também.Não defendo
nem banalizo esta responsabilidade,bem como as acusações últimas de
corrupção,mas uma coisa é acusação outra prova.
O segundo
grupo
No caso de
Ivo Pitanguy,Flavio Rangel e Isaac Karabtchevski o que ressalto é arte de expor,de ensinar,no seu verdadeiro e
único sentido que é o de expor os fundamentos das coisas sem vulgarizá-los.
Hoje,com a perniciosa influência de mestrados e
doutorados ensinar é jogar catadupas de textos estrangeiros sobre os
alunos,inclusive dos primeiros períodos das faculdades ,e mandá-los ler para depois discutir em
conjunto,mas para mim será sempre assim:professor tem que dar aula,tem que expor,tem
que dissertar falando,mesmo que depois discuta com os alunos.
Eu não sei se
já me referi aqui a Flavio Rangel.Uma vez eu comprei numa banca de jornal o
primeiro volume da coleção “ Teatro Vivo”dedicado a Sófocles e Édipo-Rei, da antiga Abril Cultural e lá no
fundo,num posfácio ,havia um titulo assim “ Édipo-Rei um espelho de muitas
imagens”,que me chamou logo a atenção e eu fiz como a maioria dos brasileiros
quando compra um jornal:comecei de trás pra frente a leitura(no caso do jornal ,da
página esportiva),do lugar que eu mais gostei.
Em duas
folhas Flavio Rangel expôs o significado histórico e a estrutura do texto ,que
me passou a ser inteiramente compreensível até hoje,bem como o posfácio,um
modelo de exposição tranqüilo que uso até hoje também.
Nele Flavio
expunha as camadas significativas do texto que deveriam ser atentadas pelo leitor,notadamente jovem
e neófito como eu(era).
Depois ,ao
longo da vida,venho assistindo documentários das atuações como diretor de
Flavio Rangel e o mesmo maravilhamento se dá,inclusive mostrando que lecionar
não é só na sala de aula,mas nos ensaios teatrais e na vida.Uma pessoa que
expõe com tanta facilidade um fundamento, que não é preciso gritar,ninguém se
stressa e mais coisas belas deste tipo.
O doutor Ivo
Pitanguy era a mesma coisa.Cheguei a
tentar entrar num congresso no Rio de Janeiro de cirurgia plástica para ver a
capacidade expositiva do cirurgião,mas era muito (justamente)caro e fiquei com
os documentários em que ele demonstrava além do mais ter uma vocação filosófica
que não desenvolveu,porque sempre relacionava a necessidade de cirurgia
plástica com a questão ética e estética,bem como psicológica à pessoa que ia ao
seu consultório.Eu vou tratar disto mais proximamente.
E finalmente
o nosso Maestro,que hoje reorganiza as partituras de Heitor Villa-Lobos,revelou sempre a mesma
capacidade expositiva.Lembro-me que no programa de Alberto Dines “ Observatório
da Imprensa” comemorativo do lançamento das “ Bacchianas Brasileiras”,ao
perguntar o jornalista sobre a essencial virtude de todo critico
musical,aprendi com o maestro que o verdadeiro critico é aquele que é “capaz de
ler uma partitura como se lesse um livro” e eu ,sacrílego,extendo este conceito
para outras atividades.
Um bom
critico de cinema,de pintura,de escultura,tem que ter esta virtude.
Todas as
vezes em que me atrapalhava ou me atrapalho no meu processo expositivo eu ia (e
vou)nestes documentários para readquirir fluência e recontatar
psicologicamente a verdadeira arte de
ensinar e expor.