É preciso que
se entenda o que está acontecendo com a esquerda brasileira,principalmente
quando a maior parte dela é pivô de uma crise moral até então só atribuível(por
ela própria)às elites.
Toda a
história recente da esquerda brasileira,após a volta do exílio ,foi no sentido
de fazer uma religação com o governo Jango.Mas é preciso,repito,saber porque a
esquerda entende ser isto necessário.
O esquema
teórico/ideológico da esquerda brasileira,até 64 razoavelmente unificada no PCB,era
calcado(e em parte ainda é,como vou
mostrar)no que ocorreu na revolução russa.O pensamento de Lênin servia de base
para este esquema:tratava-se de ajudar
no desenvolvimento das forças produtivas capitalistas na Rússia,para a partir
delas dar o salto ,tomar o poder e conduzir ao socialismo e ao comunismo.
É com esta
base que Prestes diz no dia 25 de março,aniversário de fundação do PCB,na
ABI,que todos estavam aguardando a decisão do Presidente Jango em liderar a
revolução que estava em curso.
Jango era o
aprofundamento das contradições capitalistas que permitiriam a revolução
seguinte,socialista e comunista.Foi o que se viu poucos dias depois...
O fracasso
desta visão gerou uma discussão de mais de trinta anos e a conclusão média da
esquerda é que as condições não estavam dadas para uma revolução
superior,socialista e comunista.
Esta
conclusão é na verdade um verdadeiro placebo ideológico,pois que permite que os
teóricos de hoje e sempre joguem com a mesma esperança que tinham em 64:não
havia condições naquele período ,mas agora há.
A esquerda
brasileira ,em todas as correntes,foi sempre assim:fala em democracia ,em
legalidade,mas se o cavalo passar encilhado,ela monta.Foi sempre assim.
Como eu já
disse em outro artigo(PT Partido híbrido) o PT parecia ser uma modificação mais
radical e mais próxima da modernidade deste esquema e o seu nome trabalhadores
indicava que por trabalhadores entendia-se não só o operário tradicional,mas
outras camadas da população,como a classe média.Para dentro do PT convergiram
todos os setores da esquerda,com exceção de alguns.Mas de modo geral a relação
com o PT era a mesma que tivera com o PTB de Getúlio.Era o caso de ficar
próximo das massas para conduzi-las à revolução,a revolução real,de fato.
Durante muitos
anos a hegemonia da interpretação marxista diluiu o significado da revolução de
trinta,mas era exatamente porque os comunistas não admitiam outra revolução que
não fosse a deles.Interpretaram como se o fato tivesse sido apenas um rearranjo
das classes altas,mas há que ressaltar
que houve por parte destas o reconhecimento da questão social e da presença da
classe operária,que viria a ter o seu
partido em 1945.É uma outra questão,que eu quero colocar em outro artigo,mas eu
tenho dúvidas se não se pode chamar 30 de revolução.
O presidente
Jango é um momento decisivo deste processo,na medida em que ele não só
reconhece a questão social mas admite
negociar em termos de igualdade com as classes trabalhadoras,condição histórica
essencial para se fazer um projeto nacional,que é a condição de progresso material e social de um país,pelo menos
dentro de uma perspectiva democrática,de baixo para cima.
O que os
comunistas brasileiros nunca entenderam(Lênin também)é que existem
pré-condições para um revolução comunista ,que deriva,segundo Marx, de um
regime capitalista avançado.Um regime capitalista avançado é aquele que possui
uma sociedade civil com uma concepção democrática bem estabelecida,um termo de
isonomia política;é,em termos organizacionais,um regime que possui os
fundamentos básicos de uma nação atualizados,saúde,educação,economia;é aquele
que tem uma mínima identidade cultural.Não é apenas organização de
trabalhadores.Não é o incremento puro e simples das forças produtivas,mas forças
produtivas totais e plenas,segundo a capacidade nacional.
O PT nasceu
numa época em que se falava muito de Gramsci e da sua concepção sobre a “ via
ocidental “ao socialismo.
Em 1984 eu
montei um curso sobre Gramsci no sindicato dos professores,com Carlos Nelson
Coutinho e este,usando um livro de Luciano Gruppi, afirmou que a concepção
hegemônica de cerco ao capitalismo de Gramsci
já estava ultrapassada e que maioria do
PCI já não era mais comunista exatamente por causa desta conclusão.A concepção
de hegemonia de Gramsci não servia mais ao propósito de superar o
capitalismo,porque isto já não era possível,nem desejável.Mas por trás destas
conclusões havia a convicção de que não era mais possível pensar em termos de uma revolução de
classe,baseada numa classe,porque todas as classes estavam imbricadas no plano
nacional e construir uma hegemonia deste tipo era impossível a sua
imposição conduziria a uma ditadura.
Marx dizia no
Capital que as classes responsáveis pela dinâmica produtiva do capitalismo eram
a burguesia e o proletariado.Existiam outras classes e ele põe no mesmo pé,o professor,a
prostituta,o advogado e assim sucessivamente.É
óbvio que nesta igualação há um quê de sarcasmo,mas para os devidos fins
ela vale como afirmação de parasitismo quanto
a estas classes não-produtivas.
O que ele não
viu é que as classes médias,que cresceram progressivamente,passam a jogar um
papel produtivo cada vez maior.O professor
participa do processo capitalista de produção na medida em que ele ensina ao
operário,que passa ser mais bem remunerado(atuando contra a acumulação
primitiva).Os advogados ao atuarem em nome do povo ajudam-no a ganhar dinheiro,coisa
que terá função decisiva na arrecadação
de um estado moderno ampliado,como definiu Gramsci.
Esta
história,pois,que o agentes da sociedade civil ligados ao PT propagam de que a
classe média é uma ficção,não tem nada a ver com a origem do PT e com o mundo moderno.E alguns
que dizem esta besteira são de classe média!!
O PT mudou
completamente depois da segunda derrota.Aceitou as regras do jogo achando que
podia manter as suas bases ideológicas,históricas e teóricas,mas a necessidade política
,eleitoral ,de legitimação econtinuidade puseram ,como sempre, a sua concepção
de esquerda por água abaixo.Sempre foi assim.
Quando os
bolcheviques chegaram ao poder com as concepções de Lênin,que privilegiava
erradamente(segundo o marxismo)o campesinato,a dificuldade de permanecer no
poder gerou o totalitarismo de Stalin.Stalin pretendeu seguir esta concepção
apoiando-se supostamente nos camponeses de uma forma sutil e original:matando
parte deles.E na relação com a classe
média,manipulou no sentido de garantir a defesa ideológica do regime ,
reprimindo simultâneamente os seus anseios
de liberdade.
Mao-Tsé—Tung,o
guru de Stédile,ampliou estes instrumentos, mas inovou na relação com a classe
média.Quando quis catalisar em tono de si
o seu país a quem culpou e reprimiu?A classe média,segundo ele,elites velhas
que deveriam ser reeducadas e extirpadas.esta é base da sua “ Revolução
Cultural”que não foi outra coisa que um golpe contra os que queriam tirá-lo do
poder,depois do fracasso do “ grande salto para a frente”
Esta é a origem
de Pol Pot e é a destes discursos idiotas do PT que dão conta de que a classe
média pertence às elites exploradoras.O pragmatismo político do PT o levou de Gramsci a Pol Pot e
ele ainda se acha moderno!!
Para ter uma
união em torno de si,de Dilma e Lula,o PT culpa as elites,ou seja,a classe
média.As elites representadas pelos banqueiros não.Joaquim Barboza foi posto por
Dilma e o ganho da classe operária foi o de ter acesso a empréstimos,que a
colocou no mesmo patamar de endividamento da classe média;estes empréstimos
permitiram o rolezinho ,alçado à condição de vitória estrutural dos
operários,que continuam excluídos mas
podem comprar roupa de grife(a prestação).Mesmo raciocínio de Hitler ao fazer o
wolkswagen...
Então não há
similitude hoje(antes talvez)entre a crise do governo PT e Jango.Não é um
embate entre direita e esquerda não,como não era no tempo de Jango.É só uma
crise de governo e das instituições que estão defasadas.
No tempo de
Jango havia a possibilidade de um projeto nacional,que gorou exatamente porque
o Presidente Jango sucumbiu a este radicalismo de classe que só jogou água no
moinho da reação.Eu adoro,como tenho dito aqui,o Presidente Jango,mas ele atribuía
importância demais aos comunistas.Se ele se queixava do radicalismo
nacionalista de Brizola,porque confiava mais na esquerda comunista,igualmente
radical?
Pelo estudo
que tenho realizado sobre 64 fica claro que Jango só conseguiu voltar ao
presidencialismo porque foi obrigado a admitir a direita no setor econômico do
seu governo.O que ele tinha que fazer quando recuperou os seus plenos poderes
era progressivamente substituir este setor por nacionalistas moderados,espanando
todos o radicais.
Conta-se que
no dia 31 de março de 64 o general Kruel teria posto diante de Jango a
possibilidade de mantê-lo no poder se se
livrasse dos comunistas e dos sindicatos,mas o Presidente Jango,pessoa honesta
e leal como era, não ia abandonar os
seus amigos.Contudo os comunistas,os radicais,não tinham representação política
que justificasse uma presença no governo tão forte e por decisão pessoal do
Presidente.Esta desproporção justificou a agitação da direita diante do pânico
da classe média.
A reforma
agrária no Brasil não anda por causa de uma situação semelhante a esta:o MST acha,contra
toda a discussão na esquerda,de mais de quarenta anos,que o modelo da reforma
no campo é o pensamento de Mao e diante desta besteira(porque o Brasil não é a
China)é fácil para a direita usar este espantalho e toda vez que um governo
quer aprofundar o projeto toda a sociedade se apavora e não apóia esta mudança
fundamental para o nosso país.
Eu comparei
,em determinado momento,as duas crises,a
de 64 e a de agora,mas só em termos de um governo de esquerda isolado e fraco e
uma oposição cada vez maior,mas pàra por aí.
Em 64 havia
uma visão de nação,hoje é o recrudescimento de uma visão hegemônica que esconde
a má compreensão da realidade e oculta interesses anti-nacionais,de classe,que
serve também a propósitos imediatistas e eleitoreiros.
O ministro,agora
advogado geral da união,José Eduardo Cardozo,disse há duas semanas que havia
nas passeatas pró-Dilma pessoas de classe média,porque ele sabe que esta visão de classe é ruim,mas nos de
baixo e por falta de liderança da direção do PT e interesse eleitoral predominam
os discursos de classe,de ódio,acusando as elites de não quererem ascensão dos pobres no Brasil,um discurso
perigoso e típico de POL POT.
A
hegemonia acabou,agora é a nação.