No calor dos acontecimentos graves
do Brasil a saída de Moro,que se deu agora há pouco,tem um
significado muito especial,porque aponta para uma mudança real no
quadro politico brasileiro de agora e do futuro.E se não causar será
prova de que algo de podre acontece no reino da Dinamarca.
As premissas de meu pensamento
sobre o (des-)governo Bolsonaro,começado no ano passado,são
chamadas aqui:um arquipélago da direita tomou o poder em 2019.Neste
arquipélago nem todo mundo é atinente à Bolsonaro.
Bolsonaro é liberal no sentido
econômico do termo.Raymond Aron e um seu seguidor aqui no
Brasil,José Guilherme Merquior, estabeleceram um critério básico
de classificação dos liberais que remonta à “ quebra de
paradigma” em 1929:até ao crash da bolsa todos os liberais se
uniam em torno do mercado,não havendo para a denominação “
liberal clássico” nenhuma fratura,ou antes havendo unidade entre o
constitucionalismo liberal e o mercado.
Contudo,a partir desta “ quebra”
,com a intervenção do estado,com as experiências de Hjalmar
Schacht na Alemanha nazista e com o keynesianismo fixado no livro de
Keynes “Teoria da moeda ,do lucro e dos juros”,de 1937,o
liberalismo político e jurídico se separou do mercado.
Merquior seguindo o seu mentor
elaborou uma distinção básica entre liberismo e
liberal .Liberal são
os que se identificam com o estado de direito e com as constituições
modernas e liberistas são os que continuam aceitando o mercado e
preconizam a ausência de intervenção estatal ,o “ laissez
faire”.
Dentre
estes liberais há os que defendem o mercado pura e simplesmente e
outros que se associaram aos fascistas,elaborando uma doutrina
individualista e competitiva(já presente no fascismo alemão e
italiano)segundo a qual aquele que vence no mercado é
darwinisticamente falando capaz de predominar,como forte que
é,enquanto que o que perde,perde por incompetência mesmo,pensamento
comum nos séculos XVIII e XIX,para o qual o operário merecia
sê-lo(quase como um escravo moderno),por inaptidão.
Fica
assim dificil ,hoje,definir o que é um liberal clássico,porque em
princípio seria um defensor do mercado livre e do estado de
direito,não necessariamente inter-ligados.A rigor,liberal clássico
é aquele que defende os principios de liberdade garantidos pela
politica e pelo direito.Merquior afirmava que a existência do
mercado é condição sine qua non para uma república liberal,porque
o mercado supunha que qualquer pessoa podia participar dele ,e da
república[e da democracia]).A associação do mercado com a visão
fascista é um tanto quanto imprópria para as concepções do
passado e do presente sobre o mercado,mas não necessariamente
contraditória.
Bolsonaro
é um liberal de direita e neo-fascista.Moro é um liberal de
direita.E no arco de forças da direita,Moro não é e nem nunca foi
homem de Bolsonaro,mas da Globo.
As
pessoas vivem me perguntando de onde eu tirei isto,mas é só
observar como os discursos do juiz com o da Globo são
coordenados.Agora com a demissão mais ainda ,e a Globo está
publicizando os argumentos e provas de Moro à farta,no Jornal
Nacional,entre outros.Foi a Globo que acompanhou o titulo de Doutor
Honoris Causa dado a Moro,nos Estados Unidos,uma extensa cobertura.E
tem sido assim estes meses todos.
Um
presidente da república,no Brasil,precisa fazer um arranjo(ou colcha
de retalhos) de grupos “ tonalidades”,de setores aproximados
pelo pensamento,pela ideologia.
Por
mais que Bolsonaro seja apoiado pelas igrejas evangélicas e seja um
anti-globo tremendo,não pode simplesmente ignorar as conexões do
cristianismo evangélico com os cristãos em geral e católicos em
particular e também não tem como não reconhecer que mesmo no
cristianismo brasileiro em geral a relação com a Globo se faz de
modo diário.Isto sem falar nas questões econômicas e financeiras
que se aliam aos interesses politicos,em que a Globo ainda é
forte.Recordemos que Damares procurou uma aliança entre católicos e
evangélicos que não se realizou.
De
outro lado o tradicionalismo nacionalista de direita dos militares
,açulados e induzidos a participar da politica por causa das ações
de reparação do governo Dilma.
Com
este resumo nós entendemos o que está por trás da demissão de
Moro,após meses de fritura.Alguns analistas ressaltam o “ erro”
de Bolsonaro em criar um adversário para 2022,mas Moro ,e Bolsonaro
sempre soube disto(e todo mundo antenado)sempre
foi
candidato:ele entrou
no
arquipélago para se colocar como alternativa de poder da
Globo ,para
esta se defender do ataque dos evangélicos e suas televisões.
A
Globo bancou este cacareco que é Luciano Hulk apenas
para
se manter na mídia,para não ficar escondida:então criou um
escândalo,porque Hulk é uma forma de macaco Tião.
Além
do mais,Bolsonaro não só sabia disto,como sabia e sabe que ele é
apenas uma ilhazinha neste arquipélago.Este arquipélago tem
ele,Moro,os evangélicos e ,principalmente,os militares.Bolsonaro é
potencialmente um laranja
.Toda
esta crise é para permitir que os militares cheguem ao poder,mas as
condições ainda não são boas,faltando apoio social.A queda
eventual de Bolsonaro só vale se o arquipélago sair fortalecido.Uma
queda do presidente em condição ruim de desprestigio não
vale,porque isto respingaria no vice,como a queda de Dilma respingou
em Temer e o de Collor em Itamar.Estes governos supervenientes
ficaram como transicionais,até porque foram alçados pelos
governantes apeados do poder.A questão é esta.Neste aspecto a saída
de Moro é ruim,mas pode
,nas
idas e vindas da politica,ser recuperado.Se Moro se candidatar,parte
deste mosaico migra para ele,inclusive bolsonaristas(sem o
presidente).Hoje mesmo os militares se desdobraram em elogios a
Sergio Moro.Eles vão continuar se Moro se eleger.
É
a partir deste quadro que se tem meios de analisar as consequencias
futuras da demissão.Dentro de uma escala de valores Moro é melhor
do que Bolsonaro ou o centrão,o fisiologismo diuturno e
eterno,porque ,ainda que ligado à Globo,os valores da televisão são
mais modernos e progressistas do que os das igrejas evangélicas.
Numa
eleição futura é melhor Moro do que um candidato destas igrejas.
Mas
é evidente que a minha perspectiva aqui é de esquerda(embora
alguns papanatas aí digam que não).Este quadro é para analisar as
vias abertas(não as veias)para a esquerda,em estado permanente de
divisão e agora conectada com o passado, representado pelo
ex-presidente Lula.
A
esquerda deve lutar para tirar esta direita do poder,mas se tal não
se concretizar,face à estas divisões ,Moro é o melhor candidato.Se
a esquerda insistir no cadáver não vai ter jeito,vai ter que ser
Moro.
A
esquerda pode continuar com Haddad se ele buscar apoio da centro
esquerda(PPS,Rede,PV)para vencer,porque Moro terá apoio do centrão
de direita,inclusive de Rodrigo Maia,muito mais difcil de bater.Os
partidos de centro esquerda ,não é preciso dizer,terão que pensar
assim.
Não
considero Ciro mais como alternativa pelo que eu já disse em outro
artigo pois fica cada vez mais claro que a saída de Bolsonaro é
programada para colocar militares oriundos da ditadura
militar.Qualquer que seja o cenário,com ou sem Bolsonaro,haverá uma
confrontação entre os civis e os militares,entre o estado de
direito e a ditadura.Como colocar um ferrabrás na área civil?
O
que eu gostaria era que um candidato fora desta confrontação
tivesse um apoio,por si mesmo,talvez Álvaro Dias ou mesmo Marina,mas
,de qualquer forma,um propositor assim teria que seguir este roteiro
essencial da esquerda.
Haddad
sozinho,sem a centro-esquerda,enfrentará os mesmos percalços de um
ferrabrás,embora não o seja.E qual seria o projeto de um presidente
alternativo?Ou de um presidente qualquer diante desta
conjuntura?Assunto para o próximo artigo.