domingo, 24 de abril de 2016

Rogério e Angélica



Este quadro do pintor francês Ingres expressa um das tantas versões do mito grego de Perseu e Andrômeda ,mas num sentido mais ocidental cristão,pois se trata de uma lenda medieval.O herói Rogério mata o dragão que  ameaçava “ ficar” com Angélica.











Mas ao olharmos o rosto de Angélica :



Observaremos que as coisas não estão nos conformes.Não é um herói em busca de sua amada eterna,mas uma invenção possível do amor entre um homem e uma mulher.Nós o percebemos pelo fato de que não é possível manter duas mãos presas assim.Ela poderia sair correndo se quisesse.Mas talvez não tenha alternativa.
Quer dizer que ela está realmente à espera do seu amado,do seu herói?Olhando a expressão do rosto tudo indica que ela aceita esta encenação com uma certa dose de contrariedade.Muitas possibilidades de interpretação se apresentam.
Nestes olhos parece estar dito:





” este cara é bom mesmo?”


O “herói”, Rogério, cumpre sua tarefa muito zelosamente,acreditando ser esta uma prova de que tem o direito de ganhar a  sua amada,ou seja,uma prova de que,por isso,ela o amará para sempre.
E de outro lado Angélica não tem outro caminho senão utilizar este esquema machista típico representado nesta pintura.É uma derivação do esquema montado pela aristocracia e pelos poderes terrenos na idade média,junto com a religião,que cria toda esta idealização.
Não há nesta narrativa nada errado ou falho.Parece que há adequação entre o desejo e  a realidade.Removido o dragão, o resto é “ felizes para sempre”,inclusive e principalmente no sentido político,pois o poder do homem está sacramentado e a mulher,uma vez feita a prova, deve aceitar o seu “ dono” daqui por diante.
O terrível em toda esta idealização que está na cabeça média de todos os amantes ,pelo menos no ocidente cristão e latino,é que a mulher introjeta e aceita muitas vezes este esquema de poder e o usa,naquilo que se convencionou chamar  de “ complexo de cinderella”,a manipulação de dois pretendentes em torno da mulher.
Claro que o complexo é uma interpretação defensiva da mulher,porque ela  associa um outro participante,além do dragão,mas dentro dos critérios do amor verdadeiro esta atitude já demonstra a aceitação por parte da mulher dos discurso masculinos que a oprimem e reproduz os efeitos que esta opressão causa milenarmente no gênero feminino:passividade(que gera um infantilismo  e uma egocentria infantil[vários homens em volta]),falta de coragem para lutar pelo amor verdadeiro e o referido caráter manipulatório,que faz da mulher  um ser esvaziado de afeição,mas cheia de poder( e de ressentimento[tristeza por não chegar ao amor verdadeiro]).
O quadro acima,na intenção de Ingres já revela a problemática que existe por trás de toda idealização:o sistema de poder e neste caso associado ao controle do sexo e do Amor,que se tornam menos importantes do que direitos de propriedade,herança e assim por diante.
Voltarei ao tema.









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