terça-feira, 4 de novembro de 2014

Governantes e governados



Nos tempos da ditadura   fazia    muito   sucesso   um cientista político chamado  Maurice  Duverger(Jarbas   Passarinho   gosta  muito  dele).O  seu  sucesso  se dava  por ele   contestar  a  visão  de classes  da sociedade.Ele  dizia  que  a verdadeira dicotomia era  entre  governantes  e governados.
É  claro que  esta  dicotomia  não define  tudo,mas ela   faz  parte  da compreensão  do  processo  político.Hoje,nos Estados  Unidos,depois das denúncias  de Snowden,há um  grande  medo  de que  os      componentes    dos governos  se  coloquem  contra  os  governados.Este  medo já existia na  Era nuclear,principalmente  porque todos  sabiam  que os governantes   tinham  prioridades no caso  de uma  guerra deste  tipo.Acreditava-se(acertadamente  a  meu ver)que aliados às grandes  fortunas , na  hora H, grupos  de pessoas escapassem   do  holocausto  e refundassem  a humanidade,numa  perspectiva  elitista  e nazista da política.
Este  grande e insidioso  pânico  se reflete  no  filme  humorístico  de Stanley  Kubrick,”Dr. Strangelove”.
Mas   eu  trago aqui  esta  questão  porque sem deixar,óbvio,a questão  de classe,entendo  que a   dicotomia  de Duverger tem  um  certo peso,uma  certa  autonomia  no quadro político atual  brasileiro,pós-eleição.Aliás  uma  eleição  que  parece continuar,com idéias de impeachment,recontagem de votos,etc.
É claro que o  Congresso,como um todo,oposição  e base de apoio  de Dilma,não querem consulta popular.Eu já tratei do  tema  aqui,sob  outra óptica,mas  agora fica  evidente que existe  uma  dissensão profunda entre governantes e governados.
Era  uma oportunidade  histórica retomar  o sentido conceitual  da expressão soberania popular.Dentro da   nossa tradição  de capitalismo autárquico,como em  outros lugares,os políticos não realizam o seu serviço público em função do povo,mas  em função  deles  mesmos.Afirmar que o  povo  os escolheu  de forma  absolutamente consciente,sem  restrições,eu  já disse,não autoriza os eleitos  agir assim  tão arrogantemente.O  povo tem  o direito de mudar  os rumos  da atividade política a  qualquer tempo.
Como Dilma(e Lula)são reféns do PMDB,o mesmo,através  de seu  presidente,Michel   Temer,já  aventou  a hipótese  de descarte,apresentando  a possibilidade do PMDB oferecer  candidato próprio  em  2018.
E quando  se vê,Artur Virgilio  Neto,prefeito de Manaus,prócer do PSDB,dizer que  consulta popular não tem sentido,percebe-se claramente  o isolamento da Presidente,e o perigo de uma  imensa  cooptação  dos fisiológicos de todos os partidos,pelo PMDB,para continuar  o projeto  de um partido  único,interessado em manter as coisas como estão.
O  fiel  da balança para  resolver este terrível  horizonte  futuro,a meu  ver,é Aécio,que  precisa  se lembrar  dos  desejos  de seu avô  na redemocratização  e compreender a necessidade  de evitar este regime de partido único,a morte da política e da democracia.
O  nosso  medo na  década de  70,era  que o Brasil  se  tornasse  um imenso Portugal.Com  a crise econômica no final  desta década,o medo  era se tornar   um  imenso Paraguai.Agora,o medo  deve  ser  se tornar  um imenso México ,oscilando  secularmente  entre  o desejo de crescer e a  realidade  da dependência.
Não adianta  o PT  se virar mais  à esquerda,pois  o Partido vai ter que se  refundar.É preciso   uma  aliança com um pensamento  diferente,um  outro  de razão,que garanta a dinâmica da democracia e a  possibilidade real de mudança,no caso bem provável  de não vir  a reforma política,que os governantes  querem  impedir  os  governados de fazer.
Uma  outra alternativa  seria um novo partido,social-democrático de fato,mais à esquerda,mas dentro  de uma concepção moderna,que  já tinha sido  aventada por  Tancredo  em  85.O neto saberá dar continuidade a isto?

Aprender Política pra não falar bobagem



Desde os  gregos  o  que  caracteriza   a  democracia  é  considerar  o  outro.Muito  embora  a democracia  grega  fosse  limitada,a  ampliação  deste  realidade,o  ouvir  o  outro,nos  liga  a  ela.
Rosa  de Luxemburg  ,musa  de  muitas  ONG  no  Brasil  disse  a  Lênin  que    liberdade  é para  quem  pensa  diferente” e  ela se  referia  ao  socialismo  também.
Ocorre que  no  âmbito  das  discussões entre    socialismo e  democracia,o  que  prevaleceu  não  foi  isto.Lênin  redargüiu afirmando  que  havia  uma    via  prussiana”  para se chegar  ao  socialismo e que  isto  tinha acontecido  na Rússia.
“ Via  prussiana”  é  um  conceito  revolucionário que  alude   ao  fato de que  ,muitos países,incluindo  fundamentalmente a  Prússia,possuem  um  Estado  que  acaba  ocupando  a  sociedade,que  se  revela  fraca,sem  relações  econômicas e  de cidadania  avançadas,como  o  aludido  país e como  o  Brasil ,sabidamente  possuidor  de um  capitalismo  autárquico,em  que  as  empresas  são dependentes do  Estado.
O  grande  propagador  do  pensamento  de Gramsci  no  Brasil  Carlos  Nelson  Coutinho  demonstrou  inúmeras  vezes que  a  visão  revolucionária  de Gramsci,como a  de Marx,partia  do  princípio de que  toda  revolução comunista  genuína  vinha  do  fortalecimento  da  sociedade  civil,de baixo(onde estão os  trabalhadores)para  cima,não  procedendo a  afirmativa de que  a  visão    prussiana”  de Lênin  fosse  válida,de    cima  para  baixo”.
Inexplicavelmente,com a ascensão  ao  poder de seu  partido,o  PT,Carlos  Nelson  fez  uma  improvável e  bizarra  relação de Chavez  com  Gramsci,dizendo  que  o  objetivo  daquele  político(um  nacionalista  de esquerda  grosseiro  a   meu   ver)era  ganhar  a hegemonia  na  sociedade  política,isto  é, no  Estado,para  depois  tomar   a  sociedade  civil.
Nos  últimos  anos  de governo  Lula  e no governo  Dilma,o  que  temos  visto  são  várias  medidas que indicam  este  método,assemelhando  o  PT a Chávez  e  ao  chavismo.
Alguém  viu a UNE  e  o  Fórum Social  Mundial  nas  manifestações?Ambos  foram  cooptados  pelo  PT(e  PMDB),recebendo  do  governo  dinheiro.Há  dois  anos  o  PT  flexibilizou  os  concursos  para  professor  auxiliar  nas  universidades  federais,para  poder  colocar  pessoas  ligadas  ao  Partido.
O  terceiro  setor  surgiu  ,na  década  de 90,para  realizar  um  projeto  hegemônico  na  visão gramsciana,procurando reconhecer a necessidade  do  Estado  fomentar  o crescimento,mas  respeitando,pari  passu,a  necessidade de  crescimento  também  da  sociedade  civil,para que  a  sua predominância  não se transformasse  em imposição,sendo  esta  um alternativa  aos  erros  da  ditadura do  proletariado.
Os  chamados  conselhos populares  se inserem    sim  nesta  perspectiva  chavista,porque  desvirtuam  este objetivo original  das  ONGs,do  terceiro  setor.Da  mesma  forma  que  Lênin e Stálin usaram o perigo  do  anarco-sindicalismo,para  transformar  os  sindicatos  em    correias  de transmissão do  partido  único”,gerando  famoso  protesto de Trotski,o  esquema  do  PT  está  transformando  estas  ONGs  em  correias de transmissão do  governo,repetindo o  que já  acontece  nos sindicatos,que  não  fazem  nada    anos,para  não  perturbar  o    progresso” “ espetacular”  que o  PT está  promovendo  no  Brasil.
Desta  forma,ainda  que  com  amparo  legal,politicamente  é um desastre  tais  iniciativas  que  a Presidente está  realizando,colocando  como  necessária  a  dominação,primeiro ,do  Estado,para  libertar a  sociedade  civil,coisa  que   não deu certo  em  lugar  nenhum,muito  pelo  contrário,gerou as  grandes  violências  do  passado,causadas  pela  esquerda.
O  Estado  é  de todos.A ampliação da  deliberação democrática,o reconhecimento  do  outro,desaparece quando  alguém  toma e privatiza  o  Estado.A  esquerda  acha  que  ela  não  o privatiza  se o  domina,porque  supõe  misticamente  que  representa,para além das  eleições,o  pensamento  do  povo.Ela  pensa  que  tem a condição teórica de  definir  isto,mas ela  não  é  diferente  da  burguesia quando  privatiza  o  que  é  de todos.Ela  forçosamente  repetirá  os esquemas de imposição e ditadura  que  a  burguesia  não  raro  usa  para obter as  suas  benesses.
  dividindo a  riqueza  e fortalecendo a  sociedade  civil se pode  evitar  este  problemas.Se  acontecer a hegemonia  da esquerda  no  plano estatal,o  que  teremos  é  uma    burguesia  vermelha”,no  dizer de Dostoievski,em    Os  possessos”.

sábado, 1 de novembro de 2014

Razões para a derrota



O  que  aconteceu  em  Minas  Gerais  e  que  parece  ter  sido  a maior  causa  da  derrota de Aécio  no  pleito presidencial  foi  o  de sempre:como  Juscelino  em  60,Aécio   partiu  para  esta  disputa  querendo  evitar  que  alguém  que  lhe  fizesse  sombra  ficasse  em  Minas  Gerais.
Como  Juscelino  pensara e  como  manda  o  receituário  mesquinho  da  política  brasileira,era  preciso  evitar  que  ,ao  sair  do  governo  em  1960,ficasse  alguém  forte  na  presidência ,por  isso,em  vez  de  apoiar  Lott,indiretamente,deixou tudo   na  mão de Jânio,aparentemente  mais  manipulável e  menos  perigoso...
Mas  não    em  nível  federal que pensou  Juscelino.No  nível  estadual,em vez  de  apoiar  Tancredo  Neves,candidato  do  seu  partido,apoiou(indiretamente)Magalhães  Pinto,que  desencadeou  o  golpe de  64,que  o  cassou  logo  depois.
Ao  colocar  em  Minas  um candidato  anódino,um  placebo,o  mesmo  não  pegou no  breu  e  isto  claramente  favoreceu  Dilma,que  ganhou  lá,um escândalo  de estratégia  como  nunca  se  viu,mas  que  não  é  novo,como  demonstramos.
A política  no  Brasil  é sempre  feita  em  nome  pessoal.Não  digo  que  isto  tenha acontecido  agora na  Minas  Gerais  de Aécio,que  ficou  com  o  PT,mas de  modo  geral,os  políticos  temem  eventuais  sombras.
Todo  candidato  que  entra  num  partido  é  tutelado  por  alguém  para  subir,  sendo  sempre  um “  garoto(a)  de ouro”.Quando  o    garoto(a)de  ouro”  senta  numa cadeira  institucional,qualquer  que  seja,encontra  nas  necessidades de  governo  uma  justificativa  para  abandonar  o  seu  mentor  de outrora,isto é,de trair.
Este  é  o  medo  do  mentor.Do  padrinho,digamos.Quem  melhor  resolvia  esta  questão  era  Lacerda  ,que  tinha auxiliares  profissionais.Os  únicos  que  eram  técnicos e  alcançaram  projeção  na  política  sem  atingir  o chefe,foram  Sandra  Cavalcanti  e Rafael de Almeida  Magalhães.
Do  lado  oposto,o  campeão de erros  foi  Brizola,que  apaniguou  Marcelo Alencar,César  Maia e Garotinho,que  quando  adquiriram  capacidade de vôo  próprio,bateram  de frente  com ele.A tal  ponto  isto  teve  consequências sobre  o  trabalhismo,que  na  eleição estadual  de 86  Brizola  colocou  como  candidato  alguém  que  não  tinha  vocação  nenhuma  para o  executivo:Darci  Ribeiro.Talvez  Brizola  preferisse  que  ele  perdesse,para  continuar  como  líder  inconteste  deste  movimento.
Mas  isto  vale,mutatis  mutandi  para  Aécio.Ao  agir  pragmaticamente  ele  comprometeu   a sua  eleição  de modo absoluto, mostrando  que  nestes  novos  tempos  do  Brasil ,desejados  por  todos,em que  as  mudanças  são essenciais,os programas  também,o  pragmatismo  não tem  mais  lugar  e deve  ser  superado.