Agora
certas rádios aí implicam com o meu vocabulário.A vida toda,desde
pequeno,sempre brincaram comigo,dizendo que para falar comigo se
precisava de um dicionário do lado.
Desde
tenra idade eu seguia o conselho do escritor brasileiro Coelho Neto
segundo o qual todo bom escritor deveria ter um vocabulário de pelo
menos 40.000 palavras.
Nunca
cheguei neste exagero,mas sempre achei que um bom vocabulário em
qualquer língua é essencial para se dizer que a conhece.
O
escritor Pedro Nava,pouco antes de morrer ,numa entrevista
televisiva, ridicularizava a minha geração,na década de 80,por
pensar que sabia falar inglês,com o dominio de só 1000 ou 2000 mil
palavras,o que,segundo ele era “ quase nada”.
Faz
parte do conhecimento de uma língua um grande vocabulário,que
permita a sua desenvoltura e fluência.
Mas
além disto o direito de se expressar inclui o direito de fazê-lo do
modo desejado.Este tipo de crítica que eu recebo ao longo da vida
só posso imaginar ,como sempre ,que tenha o objetivo de me chamar de
esnobe e de não levar em consideração a preparação do povo
brasileiro.Quer dizer seria uma maneira de menosprezar o povo
brasileiro,apresentando uma cultura que ele não tem e não é
obrigado a ter.
Eu
vou voltar aos pródromos da minha atividade,começada há sete
anos.Eu tenho como objetivo fazer um trabalho que possa ser lido pela
pessoa do povo e pelo intelectual.Não acredito em intelectuais que
complexificam o seu discurso sem o motivo certo:a complexidade do seu
objeto de investigação.Mesmo neste último caso o intelectual
deveria simplificar,se possível.
Contudo,apesar
deste caminho democratizante de incluir todos,todo o arco social,o
conhecimento é uma ascese.Quer dizer,é preciso se elevar do rés do
chão para construí-lo e tê-lo legitimamente.Descer é demagogia ou
interesse.É importante induzir a pessoa que não tem formação a se
elevar e ombrear com os que têm.Os alunos que me lêem se sentem
desafiados a procurar um vocabulário maior,num panorama cultural
tido há muitos anos como paupérrimo ,fato
reconhecido(infelizmente)no exterior e no Brasil.
Aquele
que tem formação não se sentirá ofendido e aquele que não é
aluno e nem tem esta formação(em certas rádios)não tem motivo de
se sentir deste modo e ,ademais,não é obrigado a me ler,como já
pontuei.
O
vocabulário faz parte da língua.Ele se insere dentro do conceito
supradito de pluralidade,para evitar a repetição inócua.Não é
para exibir decoreba.
O
vocabulário demonstra a capacidade do escritor de precisar bem os
termos,de usá-los com propriedade.Propriedade quer dizer no lugar
certo,inclusive,eventualmente, no lugar único que cabe.
Uma
das inovações do escritor realista francês Gustave Flaubert era
escrever coma palavra certa e ele às vezes só escrevia uma página
por dia,no esforço de encontrá-la,para cada ocasião.O mesmo se
pode de dizer de Virgilio que escreveu um verso da “ Eneida” por
dia,por quarenta anos,até o dia em que faleceu.
O
vocabulário expressa sempre um problema filosófico(e
linguístico,epistemológico,etc,etc.)importante:a polissemia. A
variedade de significados possíveis de uma palavra,habilidade
essencial(ou uma das)do intelectual.Ter um vocabulário ajuda a
exercitar esta habilidade.
Finalmente,como
sou acostumado com estas “ acusações”,sei que subliminarmente
se me atribui uma falsa cultura,com o uso destas palavras.Se me
atribui uma condição de pseudo-intelectual ou,pior,enganador,sem
capacidade de raciocinio.
Nos
últimos 40 anos certos setores intelectuais do Brasil(e do
mundo)inventaram que o conhecimento é só o raciocinio.O raciocinio
é fundamental.Sem ele não há conhecimento,mas ele não é só isto
aí e a inteligência não se mede só pela capacidade de
compreensão.
Inteligência
,como todos nós sabemos ,vem de “ inte ligere”,”ler o Ser”(São
Tomás de Aquino),compreender racionalmente como são as coisas.Saber
a razão de Ser do Ser.
Contudo,esta
perspectiva puramente racional(iluminista inclusive[como racionalismo
que é])já ruiu há muito.Com as descobertas da psicologia(Freud et
al),a intuição artística é vista como inteligência(habilidade),a
capacidade de comunicação e outras.As aptidões humanas
,todas,marcam uma tendência legítima e possível de
inteligência.Hoje se fala até em “inteligência emocional”,uma
das mais necessárias e limitadoras da pura racionalidade.
A
memória,no entanto,sempre foi vilão da inteligência porque é
vista como burrice.O truque dos referidos quarenta anos atrás foi
,através da supressão do papel da memória,afastar outras
capacidades,para deixar o primado do raciocinio,que,sozinho,é tão
pobre quanto à memória.
Grande
parte do analfabetismo funcional das universidades hoje se baseia na
priorização do raciocinio,exigindo do aluno a compreensão de
textos,sem contexto!(neste aspecto Olavo de Carvalho tem razão).
O
sistema de poder que inventou isto(ditadura militar) queria acabar
com o intelectual interdisciplinar que possuia imensos recursos por
um outro(que tem hegemonia hoje)especializado e com antolhos.
Realmente
nem tanto ao mar nem tanto à terra,como ensinava Aristóteles:no
passado também havia problemas.Reduzir tudo à memória necrosava a
inteligência e fazia dos alunos autômatos ,bons para os esquemas
de poder de então(que os havia certamente).
Contudo,no
seu lugar,a memória facilita também a compreensão;encurta um pouco
o caminho da compreensão,porque quando se aborda um problema
novo,relacionado a um tema anterior,a lembrança deste último
suaviza a nova aquisição.Na verdade este processo é o do
conhecimento.
E
uma das formas de avaliação do grau de inteligência de uma pessoa
é uma boa memória.Exatamente pelo que falei acima.Ter memória não
é decorar,mas acumular, de forma a discernir nos conhecimentos
adquiridos ,aquilo que é mais decisivo.
O
conhecimento,quantitativamente considerado é imbecilizante,mas a
quantidade às vezes é fundamental para se fazer escolhas e ter
discernimento.