segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Agora o problema é o meu vocabulário

Agora certas rádios aí implicam com o meu vocabulário.A vida toda,desde pequeno,sempre brincaram comigo,dizendo que para falar comigo se precisava de um dicionário do lado.
Desde tenra idade eu seguia o conselho do escritor brasileiro Coelho Neto segundo o qual todo bom escritor deveria ter um vocabulário de pelo menos 40.000 palavras.
Nunca cheguei neste exagero,mas sempre achei que um bom vocabulário em qualquer língua é essencial para se dizer que a conhece.
O escritor Pedro Nava,pouco antes de morrer ,numa entrevista televisiva, ridicularizava a minha geração,na década de 80,por pensar que sabia falar inglês,com o dominio de só 1000 ou 2000 mil palavras,o que,segundo ele era “ quase nada”.
Faz parte do conhecimento de uma língua um grande vocabulário,que permita a sua desenvoltura e fluência.
Mas além disto o direito de se expressar inclui o direito de fazê-lo do modo desejado.Este tipo de crítica que eu recebo ao longo da vida só posso imaginar ,como sempre ,que tenha o objetivo de me chamar de esnobe e de não levar em consideração a preparação do povo brasileiro.Quer dizer seria uma maneira de menosprezar o povo brasileiro,apresentando uma cultura que ele não tem e não é obrigado a ter.
Eu vou voltar aos pródromos da minha atividade,começada há sete anos.Eu tenho como objetivo fazer um trabalho que possa ser lido pela pessoa do povo e pelo intelectual.Não acredito em intelectuais que complexificam o seu discurso sem o motivo certo:a complexidade do seu objeto de investigação.Mesmo neste último caso o intelectual deveria simplificar,se possível.
Contudo,apesar deste caminho democratizante de incluir todos,todo o arco social,o conhecimento é uma ascese.Quer dizer,é preciso se elevar do rés do chão para construí-lo e tê-lo legitimamente.Descer é demagogia ou interesse.É importante induzir a pessoa que não tem formação a se elevar e ombrear com os que têm.Os alunos que me lêem se sentem desafiados a procurar um vocabulário maior,num panorama cultural tido há muitos anos como paupérrimo ,fato reconhecido(infelizmente)no exterior e no Brasil.
Aquele que tem formação não se sentirá ofendido e aquele que não é aluno e nem tem esta formação(em certas rádios)não tem motivo de se sentir deste modo e ,ademais,não é obrigado a me ler,como já pontuei.
O vocabulário faz parte da língua.Ele se insere dentro do conceito supradito de pluralidade,para evitar a repetição inócua.Não é para exibir decoreba.
O vocabulário demonstra a capacidade do escritor de precisar bem os termos,de usá-los com propriedade.Propriedade quer dizer no lugar certo,inclusive,eventualmente, no lugar único que cabe.
Uma das inovações do escritor realista francês Gustave Flaubert era escrever coma palavra certa e ele às vezes só escrevia uma página por dia,no esforço de encontrá-la,para cada ocasião.O mesmo se pode de dizer de Virgilio que escreveu um verso da “ Eneida” por dia,por quarenta anos,até o dia em que faleceu.
O vocabulário expressa sempre um problema filosófico(e linguístico,epistemológico,etc,etc.)importante:a polissemia. A variedade de significados possíveis de uma palavra,habilidade essencial(ou uma das)do intelectual.Ter um vocabulário ajuda a exercitar esta habilidade.
Finalmente,como sou acostumado com estas “ acusações”,sei que subliminarmente se me atribui uma falsa cultura,com o uso destas palavras.Se me atribui uma condição de pseudo-intelectual ou,pior,enganador,sem capacidade de raciocinio.
Nos últimos 40 anos certos setores intelectuais do Brasil(e do mundo)inventaram que o conhecimento é só o raciocinio.O raciocinio é fundamental.Sem ele não há conhecimento,mas ele não é só isto aí e a inteligência não se mede só pela capacidade de compreensão.
Inteligência ,como todos nós sabemos ,vem de “ inte ligere”,”ler o Ser”(São Tomás de Aquino),compreender racionalmente como são as coisas.Saber a razão de Ser do Ser.
Contudo,esta perspectiva puramente racional(iluminista inclusive[como racionalismo que é])já ruiu há muito.Com as descobertas da psicologia(Freud et al),a intuição artística é vista como inteligência(habilidade),a capacidade de comunicação e outras.As aptidões humanas ,todas,marcam uma tendência legítima e possível de inteligência.Hoje se fala até em “inteligência emocional”,uma das mais necessárias e limitadoras da pura racionalidade.
A memória,no entanto,sempre foi vilão da inteligência porque é vista como burrice.O truque dos referidos quarenta anos atrás foi ,através da supressão do papel da memória,afastar outras capacidades,para deixar o primado do raciocinio,que,sozinho,é tão pobre quanto à memória.
Grande parte do analfabetismo funcional das universidades hoje se baseia na priorização do raciocinio,exigindo do aluno a compreensão de textos,sem contexto!(neste aspecto Olavo de Carvalho tem razão).
O sistema de poder que inventou isto(ditadura militar) queria acabar com o intelectual interdisciplinar que possuia imensos recursos por um outro(que tem hegemonia hoje)especializado e com antolhos.
Realmente nem tanto ao mar nem tanto à terra,como ensinava Aristóteles:no passado também havia problemas.Reduzir tudo à memória necrosava a inteligência e fazia dos alunos autômatos ,bons para os esquemas de poder de então(que os havia certamente).
Contudo,no seu lugar,a memória facilita também a compreensão;encurta um pouco o caminho da compreensão,porque quando se aborda um problema novo,relacionado a um tema anterior,a lembrança deste último suaviza a nova aquisição.Na verdade este processo é o do conhecimento.
E uma das formas de avaliação do grau de inteligência de uma pessoa é uma boa memória.Exatamente pelo que falei acima.Ter memória não é decorar,mas acumular, de forma a discernir nos conhecimentos adquiridos ,aquilo que é mais decisivo.

O conhecimento,quantitativamente considerado é imbecilizante,mas a quantidade às vezes é fundamental para se fazer escolhas e ter discernimento.

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