sábado, 25 de abril de 2020

A Saída de Moro

No calor dos acontecimentos graves do Brasil a saída de Moro,que se deu agora há pouco,tem um significado muito especial,porque aponta para uma mudança real no quadro politico brasileiro de agora e do futuro.E se não causar será prova de que algo de podre acontece no reino da Dinamarca.
As premissas de meu pensamento sobre o (des-)governo Bolsonaro,começado no ano passado,são chamadas aqui:um arquipélago da direita tomou o poder em 2019.Neste arquipélago nem todo mundo é atinente à Bolsonaro.
Bolsonaro é liberal no sentido econômico do termo.Raymond Aron e um seu seguidor aqui no Brasil,José Guilherme Merquior, estabeleceram um critério básico de classificação dos liberais que remonta à “ quebra de paradigma” em 1929:até ao crash da bolsa todos os liberais se uniam em torno do mercado,não havendo para a denominação “ liberal clássico” nenhuma fratura,ou antes havendo unidade entre o constitucionalismo liberal e o mercado.
Contudo,a partir desta “ quebra” ,com a intervenção do estado,com as experiências de Hjalmar Schacht na Alemanha nazista e com o keynesianismo fixado no livro de Keynes “Teoria da moeda ,do lucro e dos juros”,de 1937,o liberalismo político e jurídico se separou do mercado.
Merquior seguindo o seu mentor elaborou uma distinção básica entre liberismo e liberal .Liberal são os que se identificam com o estado de direito e com as constituições modernas e liberistas são os que continuam aceitando o mercado e preconizam a ausência de intervenção estatal ,o “ laissez faire”.
Dentre estes liberais há os que defendem o mercado pura e simplesmente e outros que se associaram aos fascistas,elaborando uma doutrina individualista e competitiva(já presente no fascismo alemão e italiano)segundo a qual aquele que vence no mercado é darwinisticamente falando capaz de predominar,como forte que é,enquanto que o que perde,perde por incompetência mesmo,pensamento comum nos séculos XVIII e XIX,para o qual o operário merecia sê-lo(quase como um escravo moderno),por inaptidão.
Fica assim dificil ,hoje,definir o que é um liberal clássico,porque em princípio seria um defensor do mercado livre e do estado de direito,não necessariamente inter-ligados.A rigor,liberal clássico é aquele que defende os principios de liberdade garantidos pela politica e pelo direito.Merquior afirmava que a existência do mercado é condição sine qua non para uma república liberal,porque o mercado supunha que qualquer pessoa podia participar dele ,e da república[e da democracia]).A associação do mercado com a visão fascista é um tanto quanto imprópria para as concepções do passado e do presente sobre o mercado,mas não necessariamente contraditória.
Bolsonaro é um liberal de direita e neo-fascista.Moro é um liberal de direita.E no arco de forças da direita,Moro não é e nem nunca foi homem de Bolsonaro,mas da Globo.
As pessoas vivem me perguntando de onde eu tirei isto,mas é só observar como os discursos do juiz com o da Globo são coordenados.Agora com a demissão mais ainda ,e a Globo está publicizando os argumentos e provas de Moro à farta,no Jornal Nacional,entre outros.Foi a Globo que acompanhou o titulo de Doutor Honoris Causa dado a Moro,nos Estados Unidos,uma extensa cobertura.E tem sido assim estes meses todos.
Um presidente da república,no Brasil,precisa fazer um arranjo(ou colcha de retalhos) de grupos “ tonalidades”,de setores aproximados pelo pensamento,pela ideologia.
Por mais que Bolsonaro seja apoiado pelas igrejas evangélicas e seja um anti-globo tremendo,não pode simplesmente ignorar as conexões do cristianismo evangélico com os cristãos em geral e católicos em particular e também não tem como não reconhecer que mesmo no cristianismo brasileiro em geral a relação com a Globo se faz de modo diário.Isto sem falar nas questões econômicas e financeiras que se aliam aos interesses politicos,em que a Globo ainda é forte.Recordemos que Damares procurou uma aliança entre católicos e evangélicos que não se realizou.
De outro lado o tradicionalismo nacionalista de direita dos militares ,açulados e induzidos a participar da politica por causa das ações de reparação do governo Dilma.
Com este resumo nós entendemos o que está por trás da demissão de Moro,após meses de fritura.Alguns analistas ressaltam o “ erro” de Bolsonaro em criar um adversário para 2022,mas Moro ,e Bolsonaro sempre soube disto(e todo mundo antenado)sempre foi candidato:ele entrou no arquipélago para se colocar como alternativa de poder da Globo ,para esta se defender do ataque dos evangélicos e suas televisões.
A Globo bancou este cacareco que é Luciano Hulk apenas para se manter na mídia,para não ficar escondida:então criou um escândalo,porque Hulk é uma forma de macaco Tião.
Além do mais,Bolsonaro não só sabia disto,como sabia e sabe que ele é apenas uma ilhazinha neste arquipélago.Este arquipélago tem ele,Moro,os evangélicos e ,principalmente,os militares.Bolsonaro é potencialmente um laranja .Toda esta crise é para permitir que os militares cheguem ao poder,mas as condições ainda não são boas,faltando apoio social.A queda eventual de Bolsonaro só vale se o arquipélago sair fortalecido.Uma queda do presidente em condição ruim de desprestigio não vale,porque isto respingaria no vice,como a queda de Dilma respingou em Temer e o de Collor em Itamar.Estes governos supervenientes ficaram como transicionais,até porque foram alçados pelos governantes apeados do poder.A questão é esta.Neste aspecto a saída de Moro é ruim,mas pode ,nas idas e vindas da politica,ser recuperado.Se Moro se candidatar,parte deste mosaico migra para ele,inclusive bolsonaristas(sem o presidente).Hoje mesmo os militares se desdobraram em elogios a Sergio Moro.Eles vão continuar se Moro se eleger.
É a partir deste quadro que se tem meios de analisar as consequencias futuras da demissão.Dentro de uma escala de valores Moro é melhor do que Bolsonaro ou o centrão,o fisiologismo diuturno e eterno,porque ,ainda que ligado à Globo,os valores da televisão são mais modernos e progressistas do que os das igrejas evangélicas.
Numa eleição futura é melhor Moro do que um candidato destas igrejas.
Mas é evidente que a minha perspectiva aqui é de esquerda(embora alguns papanatas aí digam que não).Este quadro é para analisar as vias abertas(não as veias)para a esquerda,em estado permanente de divisão e agora conectada com o passado, representado pelo ex-presidente Lula.
A esquerda deve lutar para tirar esta direita do poder,mas se tal não se concretizar,face à estas divisões ,Moro é o melhor candidato.Se a esquerda insistir no cadáver não vai ter jeito,vai ter que ser Moro.
A esquerda pode continuar com Haddad se ele buscar apoio da centro esquerda(PPS,Rede,PV)para vencer,porque Moro terá apoio do centrão de direita,inclusive de Rodrigo Maia,muito mais difcil de bater.Os partidos de centro esquerda ,não é preciso dizer,terão que pensar assim.
Não considero Ciro mais como alternativa pelo que eu já disse em outro artigo pois fica cada vez mais claro que a saída de Bolsonaro é programada para colocar militares oriundos da ditadura militar.Qualquer que seja o cenário,com ou sem Bolsonaro,haverá uma confrontação entre os civis e os militares,entre o estado de direito e a ditadura.Como colocar um ferrabrás na área civil?
O que eu gostaria era que um candidato fora desta confrontação tivesse um apoio,por si mesmo,talvez Álvaro Dias ou mesmo Marina,mas ,de qualquer forma,um propositor assim teria que seguir este roteiro essencial da esquerda.
Haddad sozinho,sem a centro-esquerda,enfrentará os mesmos percalços de um ferrabrás,embora não o seja.E qual seria o projeto de um presidente alternativo?Ou de um presidente qualquer diante desta conjuntura?Assunto para o próximo artigo.

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