quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Também não sou anticomunista ou petição de princípio II


Muita gente não entendeu o que eu disse sobre os critérios do meu sitio e eu me sinto relativamente na necessidade de explicar.

Embora tenha dito que não sou mais comunista também não quis dizer que me tornei anticomunista.

O comunismo surgiu no século XVIII.Na França já existiam pequenos grupos,chamados na época de seitas,porque clandestinas.Existem autores que relacionam o comunismo da Europa com o progresso do jesuitismo no Paraguai e aqui nos sete Povos das Missões.Existe um autor, Pierre Hugon ,em " A Utopia Guarani",que faz esta aproximação.Também o filme " A Missão" com Jeremy Irons e Robert De Niro,faz referência a este momento histórico em que se gesta a utopia.

Se observarmos bem,os guaranis da fronteira,lá mostrados no filme,têm uma vida tranquila,de produção comunitária,que podia ser aumentada à estratosfera se eles tivessem uma tecnologia e com um depósito comum de toda a tribo esta poderia diminuir o tempo de trabalho e obter tempo livre.

O que os iluministas alemães,neste mesmo século XVIII,perceberam,especialmente Lessing,um grande escritor e filósofo,diante da revolução industrial na Inglaterra,é que o homem moderno tinha condições de produzir bens infinitamente.A indústria mostrava que esta posbilidade do passado era uma realidade factível.

A frase famosa,atribuída a Marx " De cada um segundo a sua capacidade,a cada um segundo a sua necessidade",é ,na verdade,de Lessing.Marx aderiu ao comunismo,perto de 1847 e escreveu na " Ideologia Alemã"aquilo que ele pensava deste comunismo.Há passagens famosas em que ele se refere ao tempo livre.Ele diz que com o tempo livre " o homem será capaz de ser amante de noite ,pescador à tarde e cientista de manhã",porque terá bens ,à farta,que garantam a sua ociosidade criativa.Quem pensa que o ócio criativo é uma invenção de Domenico de Masi está enganado :Marx interpretou um conceito implícito no Renascimento e no Iluminismo alemão e porque não dizer do "otium cum dignitate" ,do mundo antigo que nós repudiamos porque só valia para os homens livres.Nós queremos ócio criativo para todos.

É importante frisar que para Marx o comunismo não era o igualar desiguais,mas,reconhecendo justeza no pensamento de Locke,reconhecer a desigualdade natural dos homens ,apenas,evitando as desigualdades econômicas por uma sociedade produtiva e solidária,que,sem escassez,poderia conviver com esta desigualdade sem o horror da miséria para a maioria,como acontece no capitalismo.O capitalismo exacerba esta desigualdade natural no afã selvagem do lucro.A superabundância de bens evita esta " má desigualdade" se podemos usar este termo.

O reconhecimento por Marx,da desigualdade natural dos homens,está demonstrado no texto " Crítica ao Programa de Gotha",de 1875,em que ele faz críticas aos conceitos estabelecidos por um congresso do partido social-democrata(ao qual ele pertencia),quanto ao problema da desigualdade.Os social-democratas,querendo se desvincular dos liberais acabaram por passar por cima deste fato evidente.Quando eu digo que Hannah Arendt está certa ao vincular Marx à tradição liberal,em seu famoso livro " A Condição Humana",todos reclamam ,mas é só lê-los.A " Crítica ao programa de Gotha" pode ser encontrada em português no meu blog,no link Internet Marxists Archive.

Assim sendo ,não penso ser impossível constituir o comunismo,só não acho que estão dadas as condições históricas,subjetivas e objetivas,postas por Marx  ou numa perspectiva de curto prazo.Estas condições são uma classe trabalhadora universalmente organizada e preparada ,na luta, para fazer uma revolução comunista da maioria,contra uma minoria exploradora.

Notem que eu não usei o termo " classe operária",que Marx usava,porque esta não existe mais,como diz Jaques Ellul em seu livro " Adeus ao proletariado".Notem que eu nem toquei no problema da ditadura do proletariado,por isso e porque a sociedade moderna em que predominam trabalhadores de diversos tipos,não admite nem a ditadura da maioria sobre a minoria,se é que esta ditadura ,hoje,é possível ou mesmo necessária.Marx não é um Deus,não é dois ,nem um dogma.Ele é um teórico,o marxismo é uma teoria,um ativismo em torno desta teoria e um grupo de pesquisadores e investigadores sociais.

Além do mais fica claro do que sabemos da atividade de Marx e Engels e dos comunistas,no século XIX,que a visão deles era irremediávelmente eurocêntrica.Vê-se isto na atitude que Marx teve sempre com a América Latina(o artigo de Marx sobre Bolívar o revela),frequentemente oscilando entre não dar importância e espezinhar.Dizem que,no século XIX,um grupo pessoas no Brasil queria se aliar aos comunistas da Europa e enviando uma carta para Engels,neste sentido,ele teria respondido:” o barulho que este grupos fazem nestes lugares é inversamente proporcional à sua importância”.

Como fazer uma revolução mundial com países tão díspares,como Estados Unidos ,Brasil e China?Nesta pergunta está colocada a minha postura diante da questão do comunismo.Buscar uma revolução deste tipo agora pode significar deixar de lado a criação das condições históricas supracitadas.Antes de qualquer coisa nós precisamos homogeneizar os países e depois pensar em algo drástico.

A experiência fracassada do leninismo nos ajuda a compreender o que eu digo.A falta das condições subjetivas e objetivas levou o socialismo soviético ao totalitarismo,mais afeito ao antigo regime do que ao comunismo.Quem tinha razão eram os mencheviques.Os bolcheviques precipitaram as coisas.

Também nos ajuda ,analisar outros conceitos discutíveis na época de Marx.Não é verdade que o motor da história seja somente a luta de classes e a violência,que no dizer de Engels,era a " parteira da História",frase que lemos no " Anti-During".Existem exemplos de cooperação entre as classes,que movimenta igualmente,para a frente,a História.Foi asim na lei das Doze Tábua,na Antiga Roma;nas relações entre plebeus e aristocratas na Inglaterra e existem muitos outros exemplos.Um radical me dirá:" mais isso não levou à utopia".Eu respondo:mas criou ,igualmente, condições para tanto.

Para Marx,só o comunismo evitaria,que,no processo de competição selvagem,em que os trabalhadores são usados e excluídos,os bens seriam produzidos com o objetivo mesquinho do lucro do capitalista e do seu sistema,que ficaria no nível da escassez.Se a humanidade ultrapassasse este sistema,o objetivo seria só o trabalho e o acúmulo de bens seria infinito em favor de todos.

Contudo,repito,fazer isto numa sociedade muito mais complexa do que a do século XIX é algo irreal.

É possível desenvolver a sociedade capitalista ,num sentido social,mesmo mantendo as classes,eliminando a pobreza e deixar aos pósteros a tarefa de implantar o comunismo,para superar a desigualdade que resta e fazer a superabundância,quiçá,sem violência.A violência,sem estas precondições,atinge ao povo pobre e eu ,como militante  e como pobre,tenho como cláusula pétrea,não fazer nada que possa,o mais minimamente,produzir isto aí.

Tenho,também,muita dúvida,se do ponto de vista da pluralidade psicológica do ser humano,um regime assim,com uma natureza universal,possa agradar a todos.

Eu penso que a solução chinesa,de dois regimes, pode,no futuro,ser construída,para garantir a pluralidade das escolhas humanas.Não sei.

Ficou clara a minha posição?Claro que eu voltarei ao tema.

 

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