segunda-feira, 3 de maio de 2021

O virus como viabilizador do preconceito

 

Nos idos dos anos oitenta lembro-me bem de uma tristemente famosa enchente no sul do Brasil que mobilizou a solidariedade do país inteiro.

De lá para cá o paradigma da solidariedade do povo brasileiro ficou firmado como parte essencial da característica moral nacional.Mas de lá para cá também a constatação sociológica da violência do povo brasileiro tem desmontado um pouco aquele antigo padrão.

Isto parece aquelas discussões antigas sobre otimismo e pessimismo,chorar ou rir.Mas do ponto de vista sociológico é um problema complexo que só pode ser definido em termos de tendências e não há como não incluir o paradoxo de o povo ser solidario e ao mesmo tempo preconceituso,já que o brasileiro vota numa guerrilheira comunista e depois no seu oposto,no seu perseguidor.

A meu ver a resposta a este paradoxo é a visão abstrata que o brasileiro tem do significado de nação e que ele associa com os seus interesses pessoais.Se algo vai mal com a nação ele participa do seu jeito.Sem conexão com uma explicação geral,cientifica,teórica.Gramscianos diriam:o momento egoistico passional contraposto ao de universalização.

Ocorre um fenômeno oposto hoje com a presença do virus no território nacional:a falta de empatia de uns com os outros é patente ,a por em xeque a propalada solidariedade do povo brasileiro.

Do ponto de vista sociológico é claro que haverá uma explicação.Mas o paradoxo continua.E a mediação posta acima parece ser decisiva.Contudo ,diante desta visão abstrata que o povo brasileiro tem ,o virus serviu de gatilho não para solidariedade, mas para justificar o descaso de uns com o os outros.

A única forma de explicar o paradoxo é entender que o critério de solidarização do povo brasileiro ocorre quando ele de fato está vitimizado,não no cotidiano.

Quando o povo brasileiro se sente ameaçado,correndo o risco de ser atingido por um cataclismo ele se solidariza.Em casos tidos como não reveladores desta verdade,não acontece nada.

A proporção de mortes por coronavirus é pequena:a cada 10 pessoas duas ou três morrem.A maioria não.

E aí diante deste critério, a real natureza ,digamos assim,da média ética da sociedade brasileira,aflora:o virus se torna uma mediação justificadora de intencionalidades agressivas,pelo menos,em pensamento,culturalmente.

Um deseja se omitir das obrigações de recolhimento,de quarentena,por não considerar o outro digno disto;outro cospe no um para transmitir o virus;outro ,religioso,deseja que o “ lá de cima”,Cristo,mate alguém que pense diferentemente dele(pensamento preconceituoso[pelas rádios]{RG}).”O homem lá de cima quer fazer uma arrumação”.

Todos vêem no virus(como viram na aids)algum significado lógico que dá sentido e justificação aos seus preconceitos.

O virus é uma mediação,pois,desveladora do que o povo brasileiro médio,é :não vê a relação entre liberdade e norma;não vê,apesar do seu cristianismo,conexão entre o sofrimento de quem está intubado com o sofrimento de Cristo;apesar de ter piedade(valor cristão)se um rico morre nestas codições,mereceu.Tudo na média,evidentemente.


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