Todo historiador
da religião cristã sabe o papel que desempenhou o Coliseu na difusão e
estabelecimento definitivo do cristianismo católico.Feito para representar as
necessidades de Roma,ele acabou sendo a catapulta de uma concepção totalmente
contrária.
O coliseu foi
construído para ,na ampliação do Império Romano,continuar a exercer a mesma tarefa da
época republicana:os espetáculos de gladiadores(em que não era freqüente a
morte dos contendores[a morte freqüente é uma invenção dos apologetas do
cristianismo]{Tertuliano})serviam como pedagogia para os assistentes;era uma
forma de lembrá-los de seus deveres de luta na defesa de sua “ pátria”.
O advento do
cristianismo mudou isto tudo,porque esta nova força passou a representar um
novo elemento cultural e político ,dir-se-ia divisionista,nesta “ pátria”.
Então os
espetáculos passaram a ter uma finalidade diferente de demonstrar qual a
cultura era melhor;porque os romanos deviam ser unidos em torno de um império,que,como
qualquer outro,não era (totalmente)legítimo(principalmente para os
dominados[que se rebelavam cada vez mais]{na medida em que não eram aceitos}).
A violência
cresceu e como todo mundo sabe ,a violência
excessiva (re-)volta-se contra quem a pratica.Os processos de repressão
aos “estrangeiros” são direcionados igualmente para a sociedade romana ,a qual
,cansada dos espetáculos de destruição,acaba por ouvir os gritos dos
perseguidos na arena.
Desde a época de
Calígula,os cultos de Isis,a mãe dos deuses egípcios ,tinha mais força e adesão
do que os deuses romanos,notadamente pela matrona romana,muito reprimida pelo
pater famílias.
Estes cultos são
a base do futuro culto da Virgem,que consagra um papel mais importante para a
mulher ,no âmbito do cristianismo,fator que coopta com mais força ainda a
mulher romana.
Pouca gente sabe
que a fusão do cristianismo com o Império romano,sob Constantino,tem na figura
de Santa Helena,mãe deste último,um fator decisivo.
O momento
histórico em que o cristianismo começa a vencer o paganismo é quando em volta
do coliseu,figuras de santos cristãos martirizados se tornam mais procurados e
vendidos do que as figuras dos lares e penates,que eram mais populares em
priscas eras.
Não vou me ater
à tese de Umberto Eco,sobre o papel do riso na fixação do cristianismo,porque
ela não é provada.
O que me interessa
aqui é fazer uma comparação com o Maracanã.
Maracanã Adeus!
Parafraseando a
expressão do livro de Edilberto Coutinho,nós temos que reconhecer que somos
herdeiros,como os povos latinos, da tradição Greco-romana e que um dos fatos
que depõem a favor disto é a edificação do estádio.
Este estádio
reuniu gerações de cariocas e fluminenses em lembranças(a começar da derrota de
1950)e moldou aquilo que já era característica do Rio de Janeiro:ser a matriz cultural e espiritual
do Brasil.
Nos últimos anos
,e eu tenho denunciado isto aqui,há um esforço de São Paulo de tirar o futebol
do Rio de Janeiro,num movimento semelhante à transferência da capital.A ida para
Brasília,no entanto,era uma exigência
histórica que não acabou(embora tenha abalado)o Rio de Janeiro.
A saída do
futebol para mim,terá este significado mais efetivo de destruição final.
Num horrível
documentário recente ,realizado por cronistas de São Paulo,aparentemente sobre
Friedenreich,a narrativa da evolução do futebol brasileiro ignora por completo
o Rio de Janeiro,quando qualquer um sabe que o futebol brasileiro só se
consolidou(como o cristianismo)quando o estádio do Maracanã foi erguido,menos
para a Copa do Mundo do que para reconhecer a força inarredável do futebol
brasileiro,que se espraiou e se tornou um fenômeno social brasileiro ao se fixar no
Rio.
O eixo
Fluminense e Flamengo é o da evolução do futebol brasileiro.Primeiro o
Fluminense é o mais importante clube a reconhecer o futebol e surgiu como clube
de Futebol.De uma dissensão dentro do Fluminense nasceu o Flamengo que se
tornou o clube de massas ,não só do Rio mas do Brasil todo,como o Nordeste ,que
é massivamente Flamengo.
Independentemente
destas considerações esportivas,o fato é que o Rio é a caixa de ressonância
cultural do Brasil ,na sua especificidade histórica,porque os valores nacionais
diferenciados do país foram formados e permanecem aqui.
São Paulo é uma
metrópole capitalista típica.Ela se aproximava mais do Brasil enquanto existia
a cultura caipira,que foi extinta por este mesmo modo-de-produção.Mas o Rio
expressa a miscigenação,as diferenças de classe;expressa arte e a cultura do
Brasil,as grandes discussões sobre a modernidade e assim por diante.30 só valeu
quando feita aqui e embora em 64 se diga que a maré virou a favor dos
golpistas,no instante em que São Paulo ficou do lado dos militares,mas o
primeiro movimento e as decisões de novo governo se deram aqui.
Este texto não e
contra São Paulo,mas a favor dos dois estados e do Brasil.Ocorre que a “translação”
para São Paulo da matriz cultural brasileira importará em perda das características
diferenciadoras do Brasil,em nome do capitalismo,na sua feição mais predatória.
A formação
nacional brasileira desaparecerá atropelada pelas exigências econômicas de
progresso.
O maracanã foi
erigido para o Brasil,não para a Copa do Mundo,como queria dizer a
Fifa,emissária,sempre,dos interesses de hegemonia da Europa,sobre o Brasil .
A última Copa
cristalizou as condições de controle e destruição do Rio como matriz
cultural,na medida em que caiu sobre nós,como um modelo
profissional(dinheiro)único,que os clubes e federações
aceitaram,anti-nacionalmente e por interesse econômico particularístico.
Na conformação
do estádio não há mais torcidas,com suas maneiras próprias de torcer(o[meu]
Fluminense não lança o pó-de-arroz]{a torcida do Grêmio não faz mais aquele
movimento de arquibancada na hora do gol}).O preço(europeu)das entradas não permite
que o pobre branco ou negro(ou índio[ou mestiço])vá ao estádio.
Quando o estádio
do Maracanã não estava pronto,e as arenas estavam,muitos cronistas esportivos
despreparados afirmaram que a violência
era porque as torcidas,sem o estádio carioca,estavam brigando nelas,por conta
da impossibilidade de usar o “ maior do mundo”.
Mas isto não é
verdade.A razão são os fatores a que acabei de me referir.
A sociologia
define a violência como “ um esforço de integração desviado”.Os fatos de
violência que têm ocorrido nas duas maiores torcidas do Rio de Janeiro(e que
evitam que haja a translação para São Paulo)têm a ver (e vão continuar)com este
evidente processo de excludência,que prioriza o dinheiro,frente às pessoas.O
povo quer se incluir e é impedido.
Não justifico a
violência,apenas a explico.Mas a explicação oferece uma oportunidade de solucioná-la
,desde que haja coragem para encarar o problema como ele é.As pessoas que no
último jogo do Flamengo quiseram passar de um setor mais barato para um mais
caro e que estava vazio não raciocinam como os militantes do MST,mas deviam,pois o mecanismo de
excludência é semelhante:as cadeiras vazias são um acinte ao povo ,assim como
as terras improdutivas aos camponeses que estão ,sem trabalho,debaixo da ponte(no
Rio inclusive[como descaso de governos de outros estados]).
Em vez de as
torcidas fazerem mosaicos auto-encomiásticos ou exibir fotos de Guevara,porque
não protestam contra esta guetificação,contra estes muros e barreiras?
A resposta é
clara:uma imagem é mais fácil para quem não tem consciência social e o
escândalo é maior quando um torcedor quebra um alambrado e invade um lugar. Conceituar
através de bandeiras é mais difícil,leva mais tempo mas para aquele que é
democrático,quer buscar esta consciência,tem amor à torcida,respeito aos
excluídos e preocupação com a nação(sem nacionalismo)conceituar,protestar ,nos
jogos,passou a ser obrigatório.
Somente assim
evitaremos,num sentido contrário ao Brasil,uma tendência parecida com aquela do
coliseu:a desnacionalização cultural do Brasil,muito conveniente para as
tendências imperialistas que ainda estão aí,à nossa volta.
Porque o
maracanã é objeto de esvaziamento há tantos ano,tanto como o Rio de
Janeiro?Porque o que interessa não é o povo brasileiro ,representado pelas
torcidas.O importante é o dinheiro.Não interessa diminuir o valor das
entradas,que é a única solução possível,mas quem divide o bolo e quanto fica
para cada um.E se não houver solução o maracanã vai embora,vai ser
desmontado,como querem fazer com o Rio.
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