sábado, 12 de janeiro de 2019

Bolsonnaro,Rousseau,Lênin,o general Villas-Boas e Montesquieu


A idéia do Presidente de construir uma legitimação através da relação direta com o povo,através das redes(do general Villas-Boas também) é bem interessante e vai de encontro ao que eu estou fazendo desde 2011 aqui nas redes:eu me coloco como cidadão/trabalhador,que ,sem representar a sociedade como um todo,defende a representação no seu sentido mais amplo.
O debate político no Brasil é muito mal fundamentado:as pessoas pensam que o parágrafo 1º do artigo 1º da Constituição “ Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”,provém de Rousseau(somente),mas na verdade é um principio amalgamado de Rousseau e Montesquieu,mais precisamente,da democracia direta e representativa,respectivamente.
Para Rousseau o mais próximo que o corpo político chegava ao “ estado natural” era a república baseada em democracia direta,como na Suíça,país natal do pensador.Para Montesquieu a delegação da responsabilidade política obedece aos seus critérios ,pelos quais só pessoas qualificadas(no entender dele  a aristocracia[a qual ele pertencia])podiam administrar o Estado.Grande parte das discussões modernas,inclusive entre esquerda e direita,oscila entre estes dois autores:normalmente a direita,em suas várias manifestações(a direita não é monolítica)prefere naturalmente Montesquieu,enquanto que a esquerda,em suas tonalidades,Rousseau.
Neste último caso,a visão de Lênin era a de um radical comprometimento com Rousseau,como o demonstra o marxista italiano,Galvano Della Volpe em seu “Rousseau e Marx”:o que Lênin queria construir era esta ligação direta,que parece ser a intenção de Bolsonnaro.Mas as experiências de democracia direta associadas ao socialismo real,especialmente na Tchecoeslováquia,mostraram que nem todos têm vocação ou interesse pela política.
Os esforços dos comunistas em manter esta democracia direta só resultaram num populismo parecido com muitos outros que a direita também intentou .Na medida em que não se tem como igualar desiguais,o estado administra de cima para baixo uma massa indistinta de pessoas confusamente relacionadas,segundo valores e idéias mais aptas à unificação social.Hoje no Brasil esta direita se escuda no tradicionalismo católico.Ele herda os valores da direita católica na Europa,obtendo uma maioria,mas precisando ainda de uma mediação consolidadora,em outros setores sociais.Isto explica a tentativa de aliança do cristianismo católico com o  evangélico(ministra Damares).
Outra base metodológica e conceitual é o termo,usado acima,de “ corpo político”.Os antigos,como Rousseau,Aristóteles,Hobbes se referiam à sociedade como o “ corpo politico”,mas sob esta denominação há vários conceitos e categorias que foram se libertando aos poucos:nação,estado,sociedade,mundo privado,sociedade civil burguesa,cidadania.
A rigor o que ficou do corpo  politico é o que se chama hoje de “ sociedade política”,a intersecção entre o Estado e a sociedade(privada),conforme o esquema abaixo:
 
 
A sociedade política é a cidadania.O corpo politico do passado unificava todas as mediações citadas segundo um corpo social capaz de se manter ,de se fortalecer e prosseguir.
A filosofia política liberal trouxe a noção importantíssima da formalidade das ações humanas,o que consolidou o sentido moderno da república,diferente da república antiga,excludente dos escravos:todos são cidadãos nesta democracia moderna e o meio de assegurar este direito é associar à democracia o estado de direito,que fundamenta e garante a representação jurídica destes cidadãos.
Muita gente pensa(até phds)que a democracia se resume à representação verificada nos pleitos eleitorais e que o direito só se efetiva no judiciário.Mas ele também se  efetiva na politica ,no interstício entre uma eleição e  outra.O reconhecimento da cidadania,para além da eleição,é uma noção desconhecida e isto é gravíssimo e causa formal das guerras civis.
A oposição entre direita e esquerda reproduz as concepções passadiças do corpo politico,pelo menos em suas versões totalitárias :os nazistas juntavam todas as mediações necessárias da modernidade na idéia do “ corpo do povo”,um conceito racial/racista de fortalecimento físico dos alemães,para que pudessem se defender e predar(para se defender) outros povos ameaçadores.O stalinismo,com o conceito de “ todo o povo”,” sociedade de todo o povo”(constituição de 1937),moldava os russos sob a  égide do trabalho,da classe operária,  mantendo  um não reconhecimento de outras classes.Trotsky acusava o estado soviético de falsear as verdadeiras intenções subjacentes ao ideal  comunista de Marx( e de Lênin[democracia direta]):” o comunismo acaba de vez com as classes e  identifica  o gênero humano e a sociedade.O estado soviético não realizou este objetivo,mas somente reprimiu outras classes”,obtendo (digo eu)unidade com o medo de sua ressurreição.O livro de George Orwell revela bem isto.
Os nazistas assustavam os alemães,um povo robusto,com a fraqueza  física dos judeus,a  ameaça ao “ sangue do povo”.
Estes dois totalitarismos não dizem uma palavra sobre estado de direito ou cidadania,reconhecimento dos direitos formais de alguém:somente a mediação que escolheram para legitimar o seu poder  tem validade para o exercício da liberdade.Uma vez,Hitler, criticado por implantar uma ditadura,contestou dizendo que o regime nazista  era uma democracia ,mas para os alemães;casa perfeitamente com o argumento de Stalin (repetido no Brasil por Roland Corbisier e João Amazonas),de que a democracia soviética não era “ para meia-dúzia”,mas para os trabalhadores produtivos,a  maioria do país( e com a visão de Geisel da democracia “ à brasileira”,ridicularizada por Sobral Pinto no Pasquim).
A relação do atual governo,como de qualquer um no futuro,com a pretensa democracia direta das redes,traz de volta estes problemas.Porque embora Rousseau não seja,com  a sua teoria,culpado do que ocorreu depois,grande parte das concepções ditatoriais “ modernas”da esquerda provém dele:atingir o estado de natureza,ou chegar próximo dele,como preconiza o “ Contrato Social”,não funda as concepções de direita,mas as formas autoritárias da esquerda republicana.A ditadura de salvação pública de Robespierre é inspirada em Rousseau e a sua justificativa é a unidade necessária  do  “ corpo” social,que é a única forma de um governo republicano,a forma superior de democracia.(Divisa da República Francesa:”Unité indivisible de la Republique ou la mort”).
Se observarmos o “Contrato social” veremos que para seu autor a delegação da vontade do cidadão o aliena e o marxismo,através de sua ditadura do proletariado,reinterpreta esta alienação,acusando o estado, a lei e a norma, de alienarem o homem,o trabalhador,do produto de seu trabalho e de sua felicidade(que se ganha pelo trabalho não explorado[obtido pela revolução ,cuja fase inicial é a ditadura do proletariado]).Não são idéias iguais,mas análogas, e possuem uma tentação autoritária e totalitária evidente,se considerarmos   a natureza desigual da vida humana(Locke e Montesquieu mais perto da verdade),por quererem submeter a sociedade a um modelo.Se Rousseau reconhece a cidadania manietando-a na “ vontade geral”,o marxismo na   a igualdade suficiente (como meio de libertação da exploração)do trabalho(noção que não expressa outras realidades do sujeito humano[que não é só trabalho[mas espirito,cultura]]).
Quer me parecer que o Presidente vai por um caminho símile e perigoso,pois identifica a  nação com as redes,sem considerar a mediação essencial do estado de direito e da norma,que nos explicam que a representação não é só na eleição,mas no cotidiano,pelo reconhecimento dos direitos de todos.A maioria cristã não é,por maior que seja,suficiente para justificar uma usurpação desta representação,que se expressa no reconhecimento da cidadania.
Se esta direita pensar que sim,vai cometer os mesmos erros do nazismo,do stalinismo,do imperialismo,de todos os ismos que substituem a representação legal pelas maiorias.
De Hegel a Fukuyama,fica claro que o reconhecimento da sociedade política é o caminho da democracia e do progresso a ela relacionados.Quando Edmund Burke afirmou “A liberdade é indivisível”,estava se referindo a esta intersecção,que florescia no seio dos liberais.Muitos nascem em condições adversas no mundo privado e se superam , outros não:precisam do reconhecimento da cidadania para serem ajudados.O conceito de Burke é que se alguém não é ajudado,não é incluído na cidadania,todos estão em risco,a liberdade de um é a de todos.No mundo privado não é assim,nem no Estado,pois quem o detém detém o poder de modificar a sua vida(de se ajudar).
Todo totalitarismo vende a falsa idéia  de que aquele que aceita a sua ideologia vence e aquele que não ,não só  perde como deve ser  eliminado.Esta é a similitude mais decisiva entre a esquerda anacrônica e a direita.
O cristianismo brasileiro católico/evangélico vende :se você está com o senhor Jesus(não com os pastores)a sua vida prospera.Forçoso reconhecer que o que não se encaixa nesta tradição,fica de fora,mas as inculpações,intolerâncias estão aí a nos ameaçar.Se os cristãos substituírem a representação de todos,legal e democrática,por sua maioria,que do ponto de vista da  sociedade política,do corpo politico,não quer dizer nada,a encrenca é certa.
O meu posicionamento aqui,como pesquisador,nas redes foi ,é e será o de defender esta representação,este reconhecimento geral,base da democracia,mas,a meu ver,da Utopia.
O que eu vejo é cada grupo social e politico do Brasil olhar só o seu lado,espicaçando os outros,procurando um jeito de predominar(golpe),conjuntura prévia de golpe( e de guerras civis).


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