A
idéia do Presidente de construir uma legitimação através da relação direta com
o povo,através das redes(do general Villas-Boas também) é bem interessante e
vai de encontro ao que eu estou fazendo desde 2011 aqui nas redes:eu me coloco
como cidadão/trabalhador,que ,sem representar a sociedade como um todo,defende
a representação no seu sentido mais amplo.
O
debate político no Brasil é muito mal fundamentado:as pessoas pensam que o
parágrafo 1º do artigo 1º da Constituição “ Todo o poder emana do povo e em seu
nome será exercido”,provém de Rousseau(somente),mas na verdade é um principio
amalgamado de Rousseau e Montesquieu,mais precisamente,da democracia direta e
representativa,respectivamente.
Para
Rousseau o mais próximo que o corpo político chegava ao “ estado natural” era a
república baseada em democracia direta,como na Suíça,país natal do pensador.Para
Montesquieu a delegação da responsabilidade política obedece aos seus critérios
,pelos quais só pessoas qualificadas(no entender dele a aristocracia[a qual ele pertencia])podiam
administrar o Estado.Grande parte das discussões modernas,inclusive entre
esquerda e direita,oscila entre estes dois autores:normalmente a direita,em
suas várias manifestações(a direita não é monolítica)prefere naturalmente
Montesquieu,enquanto que a esquerda,em suas tonalidades,Rousseau.
Neste
último caso,a visão de Lênin era a de um radical comprometimento com
Rousseau,como o demonstra o marxista italiano,Galvano Della Volpe em seu
“Rousseau e Marx”:o que Lênin queria construir era esta ligação direta,que
parece ser a intenção de Bolsonnaro.Mas as experiências de democracia direta
associadas ao socialismo real,especialmente na Tchecoeslováquia,mostraram que
nem todos têm vocação ou interesse pela política.
Os
esforços dos comunistas em manter esta democracia direta só resultaram num
populismo parecido com muitos outros que a direita também intentou .Na medida
em que não se tem como igualar desiguais,o estado administra de cima para baixo
uma massa indistinta de pessoas confusamente relacionadas,segundo valores e
idéias mais aptas à unificação social.Hoje no Brasil esta direita se escuda no
tradicionalismo católico.Ele herda os valores da direita católica na Europa,obtendo
uma maioria,mas precisando ainda de uma mediação consolidadora,em outros
setores sociais.Isto explica a tentativa de aliança do cristianismo católico
com o evangélico(ministra Damares).
Outra
base metodológica e conceitual é o termo,usado acima,de “ corpo político”.Os
antigos,como Rousseau,Aristóteles,Hobbes se referiam à sociedade como o “ corpo
politico”,mas sob esta denominação há vários conceitos e categorias que foram
se libertando aos poucos:nação,estado,sociedade,mundo privado,sociedade civil
burguesa,cidadania.
A
rigor o que ficou do corpo politico é o
que se chama hoje de “ sociedade política”,a intersecção entre o Estado e a
sociedade(privada),conforme o esquema abaixo:
A
sociedade política é a cidadania.O corpo politico do passado unificava todas as
mediações citadas segundo um corpo social capaz de se manter ,de se fortalecer
e prosseguir.
A
filosofia política liberal trouxe a noção importantíssima da formalidade das
ações humanas,o que consolidou o sentido moderno da república,diferente da república
antiga,excludente dos escravos:todos são cidadãos nesta democracia moderna e o
meio de assegurar este direito é associar à democracia o estado de direito,que
fundamenta e garante a representação jurídica destes cidadãos.
Muita
gente pensa(até phds)que a democracia se resume à representação verificada nos
pleitos eleitorais e que o direito só se efetiva no judiciário.Mas ele também
se efetiva na politica ,no interstício entre
uma eleição e outra.O reconhecimento da
cidadania,para além da eleição,é uma noção desconhecida e isto é gravíssimo e
causa formal das guerras civis.
A
oposição entre direita e esquerda reproduz as concepções passadiças do corpo
politico,pelo menos em suas versões totalitárias :os nazistas juntavam todas as
mediações necessárias da modernidade na idéia do “ corpo do povo”,um conceito racial/racista
de fortalecimento físico dos alemães,para que pudessem se defender e predar(para
se defender) outros povos ameaçadores.O stalinismo,com o conceito de “ todo o
povo”,” sociedade de todo o povo”(constituição de 1937),moldava os russos sob
a égide do trabalho,da classe
operária, mantendo um não reconhecimento de outras classes.Trotsky
acusava o estado soviético de falsear as verdadeiras intenções subjacentes ao
ideal comunista de Marx( e de
Lênin[democracia direta]):” o comunismo acaba de vez com as classes e identifica o gênero humano e a sociedade.O estado
soviético não realizou este objetivo,mas somente reprimiu outras classes”,obtendo
(digo eu)unidade com o medo de sua ressurreição.O livro de George Orwell revela
bem isto.
Os
nazistas assustavam os alemães,um povo robusto,com a fraqueza física dos judeus,a ameaça ao “ sangue do povo”.
Estes
dois totalitarismos não dizem uma palavra sobre estado de direito ou
cidadania,reconhecimento dos direitos formais de alguém:somente a mediação que escolheram
para legitimar o seu poder tem validade
para o exercício da liberdade.Uma vez,Hitler, criticado por implantar uma
ditadura,contestou dizendo que o regime nazista era uma democracia ,mas para os alemães;casa
perfeitamente com o argumento de Stalin (repetido no Brasil por Roland
Corbisier e João Amazonas),de que a democracia soviética não era “ para
meia-dúzia”,mas para os trabalhadores produtivos,a maioria do país( e com a visão de Geisel da
democracia “ à brasileira”,ridicularizada por Sobral Pinto no Pasquim).
A
relação do atual governo,como de qualquer um no futuro,com a pretensa
democracia direta das redes,traz de volta estes problemas.Porque embora
Rousseau não seja,com a sua teoria,culpado
do que ocorreu depois,grande parte das concepções ditatoriais “ modernas”da esquerda
provém dele:atingir o estado de natureza,ou chegar próximo dele,como preconiza
o “ Contrato Social”,não funda as concepções de direita,mas as formas
autoritárias da esquerda republicana.A ditadura de salvação pública de Robespierre
é inspirada em Rousseau e a sua justificativa é a unidade necessária do “
corpo” social,que é a única forma de um governo republicano,a forma superior de
democracia.(Divisa da República Francesa:”Unité indivisible de la Republique ou
la mort”).
Se
observarmos o “Contrato social” veremos que para seu autor a delegação da
vontade do cidadão o aliena e o marxismo,através de sua ditadura do
proletariado,reinterpreta esta alienação,acusando o estado, a lei e a norma, de
alienarem o homem,o trabalhador,do produto de seu trabalho e de sua felicidade(que
se ganha pelo trabalho não explorado[obtido pela revolução ,cuja fase inicial é
a ditadura do proletariado]).Não são idéias iguais,mas análogas, e possuem uma
tentação autoritária e totalitária evidente,se considerarmos a natureza desigual da vida humana(Locke e
Montesquieu mais perto da verdade),por quererem submeter a sociedade a um
modelo.Se Rousseau reconhece a cidadania manietando-a na “ vontade geral”,o
marxismo na a igualdade suficiente
(como meio de libertação da exploração)do trabalho(noção que não expressa
outras realidades do sujeito humano[que não é só trabalho[mas espirito,cultura]]).
Quer
me parecer que o Presidente vai por um caminho símile e perigoso,pois identifica
a nação com as redes,sem considerar a
mediação essencial do estado de direito e da norma,que nos explicam que a
representação não é só na eleição,mas no cotidiano,pelo reconhecimento dos
direitos de todos.A maioria cristã não é,por maior que seja,suficiente para
justificar uma usurpação desta representação,que se expressa no reconhecimento
da cidadania.
Se
esta direita pensar que sim,vai cometer os mesmos erros do nazismo,do
stalinismo,do imperialismo,de todos os ismos que substituem a representação
legal pelas maiorias.
De
Hegel a Fukuyama,fica claro que o reconhecimento da sociedade política é o
caminho da democracia e do progresso a ela relacionados.Quando Edmund Burke
afirmou “A liberdade é indivisível”,estava se referindo a esta intersecção,que
florescia no seio dos liberais.Muitos nascem em condições adversas no mundo
privado e se superam , outros não:precisam do reconhecimento da cidadania para
serem ajudados.O conceito de Burke é que se alguém não é ajudado,não é incluído
na cidadania,todos estão em risco,a liberdade de um é a de todos.No mundo
privado não é assim,nem no Estado,pois quem o detém detém o poder de modificar
a sua vida(de se ajudar).
Todo
totalitarismo vende a falsa idéia de que
aquele que aceita a sua ideologia vence e aquele que não ,não só perde como deve ser eliminado.Esta é a similitude mais decisiva entre
a esquerda anacrônica e a direita.
O
cristianismo brasileiro católico/evangélico vende :se você está com o senhor
Jesus(não com os pastores)a sua vida prospera.Forçoso reconhecer que o que não
se encaixa nesta tradição,fica de fora,mas as inculpações,intolerâncias estão
aí a nos ameaçar.Se os cristãos substituírem a representação de todos,legal e
democrática,por sua maioria,que do ponto de vista da sociedade política,do corpo politico,não quer
dizer nada,a encrenca é certa.
O
meu posicionamento aqui,como pesquisador,nas redes foi ,é e será o de defender
esta representação,este reconhecimento geral,base da democracia,mas,a meu
ver,da Utopia.
O
que eu vejo é cada grupo social e politico do Brasil olhar só o seu
lado,espicaçando os outros,procurando um jeito de predominar(golpe),conjuntura
prévia de golpe( e de guerras civis).
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