Neste
domingo de Reis,a Folha de São Paulo publicou dois artigos sobre abuso sexual
de crianças e a leitura deles me ajuda a explicar porque o método científico
tradicional,dedutivo racional(aristotélico)não serve mais ao estudo dos
problemas sociais humanos,coisa que eu tenho aplicado ao marxismo,para
mostrar-lhe as insuficiências e vícios de origem.
É
uma datação da metafisica tradicional considerar suficiente para obtenção do
conhecimento formar padrões.A natureza do feminicidio,segundo padrões racionais
e científicos,que fundam o seu caráter delituoso,é ser um ataque destrutivo,fatal contra a mulher,pela
sua condição de gênero.
Isto
apresenta duas consequências:a condição da mulher como um todo se vê ameaçada por um tipo de comportamento
anti-social;e esta ameaça provém do outro gênero ,o masculino.
Tanto
no caso do feminicidio como no dos crimes homofóbicos a maior crítica(inclusive
neste último caso, da religião)é que não há suporte fático para criação de uma
norma,porque protege não a sociedade,mas um setor dela,o gênero ,ferindo o princípio humanitário
da universalidade da norma.O crime de homofobia não existiria,porque já existe
o homicídio,não havendo razão para uma sua especificação,a privilegiar o
movimento lgbt.
Igualmente
o feminicidio seria uma ruptura desta universalidade(contra o espirito do
direito),porque privilegia a mulher,o gênero feminino.
Devo
dizer antes de mais nada que eu concordo com esta crítica,porque o rompimento da
universalidade cria a falsa impressão de que a mulher é sempre o bem e o homem o mal .
A
separação transcendental(tomista e católica medieval)que distingue
absolutamente o bem e o mal foi superada no plano das idéias(já que no real nunca
houve), a partir de Kant(seguindo a
reforma protestante),no seu livro tão citado por mim “ A religião nos limites
da simples razão”,no qual o autor diz “o
mal radica na humanidade “.Isto é ,o
homem contém em si o bem e o mal e luta para fazer predominar o bem.
A
experiência humana é continua,não sofre rupturas.O perigo destas conceituações
jurídicas é induzir a esta separação esdrúxula e favorecer uma vitimização
muito conveniente para interesses politico-eleitorais.Mas
o direito não pode ficar ao sabor da ventania política eventual,sob pena de perder
legitimidade.
No
fundo os crimes de homofobia e feminicio são homicídios qualificados.Bastava qualifica-los
no afã de maior punição.Criar uma forma de crime deste jaez é fazer uma
ficção,uma idealização,que rompe perigosamente com o necessário liame social.
O
que o movimento lgbti e o feminista precisam entender é que isto só
aparentemente resolve o problema.Ele o adia mas cria ressentimentos,na medida em
que certos setores sociais são destacados na sua proteção social e jurídica.E
outros não.
Porque
não fazer o mesmo com crimes cometidos contra negros ou contra pobres ou
mendigos(inter.).Há criminosos que se especializam no dolo contra estas
pessoas.Por que não(inter.).
Da
mesma forma que a esquerda acusa a direita de criminalizar os movimentos
sociais ela própria age do mesmo modo,com uma estrutura de argumentação
idêntica.
Estes
crimes marcam o fracasso do judiciário em reprimir e evitar os homicídios e,na
verdade,legitima a sua falta de intenção quanto a tratar disto.E o fato de
reconhecer estas formas especificas de crime não me parece o meio de voltar a
considerar o homicídio como um problema social.O retorno da questão é social é
iniciativa de quem se preocupa com ela:a esquerda.
A
base filosófica e científica destes quiproquós é só usar o método
racional:formaram-se padrões de violência contra a mulher(bem como contra o
lgbti),isto é suficiente para criar uma lei,uma norma.
Mas
o lgbti não comete crime?.A mulher não comete também?.A
resposta do feminismo é que a quantidade maior de crimes sexuais é praticada
por homens,incluindo abusos de crianças,meninas.
Quando
uma mulher comete um crime não é uma questão de gênero,mas de pessoa.Quando uma
criança comete crime também.E eu acho isto justo,mas não se pode deixar de
fazer uma eventual relação com o mal ,com o anti-social,nestes casos.Ainda que não
se forme um padrão a existência do fato é inegável.
Ao
lado da dedução racional,dos padrões ,a descrição e compreensão sociológicas e psico-sociológicas,a
indução,têm lugar,numa relação ,dir-se-ia,dialética,absolutamente necessária.
A
dedução racional,abstrata, vem da análise da natureza. A manipulação da
natureza,a indução,se dá pela experimentação laboratorial,pelo labor científico
(Hannah Arendt).Tendo como objeto a sociedade,a cultura,ela não é,no
entanto,suficiente para descrever e compreender a infinidade de fenômenos
singulares,presente nela.
Gosto
sempre de citar o exemplo clássico de Durkheim sobre o suicídio: a sociologia
explica a razão de uma onda de suicídios ,mas não alcança eventuais
motivações,mas elas existem e devem ser consideradas na abordagem social e
politica ,no intuito de sua profilaxia e no interesse de evitar o uso politico destes fenômenos trágicos.
Se
é verdade que é mais raro a mulher praticar abuso,o fato existe e precisa ser considerado.Não
há como se diabolizar o homem e sacralizar a mulher,dentro destes pródromos,mas
parece que esta é a intenção.
Como
é que fica aquele irmão menor da Isabela Nardoni,cuja mãe matou a irmãzinha?Como
fica o irmão de Suzane von Richthofen que se desestruturou diante de um crime
do qual não participou?
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