domingo, 6 de janeiro de 2019

Dois artigos da Folha de São Paulo dentro do contexto de feminícidio


Neste domingo de Reis,a Folha de São Paulo publicou dois artigos sobre abuso sexual de crianças e a leitura deles me ajuda a explicar porque o método científico tradicional,dedutivo racional(aristotélico)não serve mais ao estudo dos problemas sociais humanos,coisa que eu tenho aplicado ao marxismo,para mostrar-lhe as insuficiências e vícios de origem.
É uma datação da metafisica tradicional considerar suficiente para obtenção do conhecimento formar padrões.A natureza do feminicidio,segundo padrões racionais e científicos,que fundam o seu caráter delituoso,é ser um  ataque destrutivo,fatal contra a mulher,pela sua condição de gênero.
Isto apresenta duas consequências:a condição da mulher como um todo se vê  ameaçada por um tipo de comportamento anti-social;e esta ameaça provém do outro gênero ,o masculino.
Tanto no caso do feminicidio como no dos crimes homofóbicos a maior crítica(inclusive neste último caso, da religião)é que não há  suporte fático para criação de uma norma,porque protege não a sociedade,mas um setor dela,o  gênero ,ferindo o princípio humanitário da universalidade da norma.O crime de homofobia não existiria,porque já existe o homicídio,não havendo razão para uma sua especificação,a privilegiar o movimento lgbt.
Igualmente o feminicidio seria uma ruptura desta universalidade(contra o espirito do direito),porque privilegia a mulher,o gênero feminino.
Devo dizer antes de mais nada que eu concordo com esta crítica,porque o rompimento da universalidade cria a falsa impressão de que a mulher é   sempre  o bem e o homem o  mal .
A separação transcendental(tomista e católica medieval)que distingue absolutamente o bem e o mal foi superada no plano das idéias(já que no real nunca houve),  a partir de Kant(seguindo a reforma protestante),no seu livro tão citado por mim “ A religião nos limites da simples razão”,no qual o autor diz  “o mal radica  na humanidade “.Isto é ,o homem contém em si o bem e o mal e luta para fazer predominar o bem.
A experiência humana é continua,não sofre rupturas.O perigo destas conceituações jurídicas é induzir a esta separação esdrúxula e favorecer uma vitimização muito conveniente para  interesses politico-eleitorais.Mas o direito não pode ficar ao sabor da ventania política eventual,sob pena de perder legitimidade.
No fundo os crimes de homofobia e feminicio são homicídios qualificados.Bastava qualifica-los no afã de maior punição.Criar uma forma de crime deste jaez é fazer uma ficção,uma idealização,que rompe perigosamente com o necessário liame social.
O que o movimento lgbti e o feminista precisam entender é que isto só aparentemente resolve o problema.Ele o  adia mas cria ressentimentos,na medida em que certos setores sociais são destacados na sua proteção social e jurídica.E outros não.
Porque não fazer o mesmo com crimes cometidos contra negros ou contra pobres ou mendigos(inter.).Há criminosos que se especializam no dolo contra estas pessoas.Por que não(inter.).
Da mesma forma que a esquerda acusa a direita de criminalizar os movimentos sociais ela própria age do mesmo modo,com uma estrutura de argumentação idêntica.
Estes crimes marcam o fracasso do judiciário em reprimir e evitar os homicídios e,na verdade,legitima a sua falta de intenção quanto a tratar disto.E o fato de reconhecer estas formas especificas de crime não me parece o meio de voltar a considerar o homicídio como um problema social.O retorno da questão é social é iniciativa de quem se preocupa com ela:a esquerda.
A base filosófica e científica destes quiproquós é só usar o método racional:formaram-se padrões de violência contra a mulher(bem como contra o lgbti),isto é suficiente para criar uma lei,uma norma.
Mas o lgbti não comete crime?.A mulher não comete também?.A resposta do feminismo é que a quantidade maior de crimes sexuais é praticada por homens,incluindo abusos de crianças,meninas.
Quando uma mulher comete um crime não é uma questão de gênero,mas de pessoa.Quando uma criança comete crime também.E eu acho isto justo,mas não se pode deixar de fazer uma eventual relação com o mal ,com o anti-social,nestes casos.Ainda que não se forme um padrão a existência do fato é inegável.
Ao lado da dedução racional,dos padrões ,a descrição e  compreensão sociológicas e psico-sociológicas,a indução,têm lugar,numa relação ,dir-se-ia,dialética,absolutamente necessária.
A dedução racional,abstrata, vem da análise da natureza. A manipulação da natureza,a indução,se dá pela experimentação laboratorial,pelo labor científico (Hannah Arendt).Tendo como objeto a sociedade,a cultura,ela não é,no entanto,suficiente para descrever e compreender a infinidade de fenômenos singulares,presente nela.
Gosto sempre de citar o exemplo clássico de Durkheim sobre o suicídio: a sociologia explica a razão de uma onda de suicídios ,mas não alcança eventuais motivações,mas elas existem e devem ser consideradas na abordagem social e politica ,no intuito de sua profilaxia e no interesse de evitar o uso politico  destes fenômenos trágicos.
Se é verdade que é mais raro a mulher praticar abuso,o fato existe e precisa ser considerado.Não há como se diabolizar o homem e sacralizar a mulher,dentro destes pródromos,mas parece que esta é a intenção.
Como é que fica aquele irmão menor da Isabela Nardoni,cuja mãe matou a irmãzinha?Como fica o irmão de Suzane von Richthofen que se desestruturou diante de um crime do qual não participou?

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