domingo, 21 de junho de 2020

A memória do tricampeonato






Hoje faço um hiatozinho para falar numa coisa muito boa,a fim de aliviar os problemas que vivemos,aos quais retornarei depois.Hoje  faz 50 anos que o Brasil se tornou tricampeão mundial de futebol,ganhando em definitivo o troféu mítico  “ Jules Rimet”,que foi inclusive,durante a segunda guerra,roubado por Hitler.
Esta vitória consagrou a ascensão do futebol igualmente mítico,em que os jogadores possuíam  um individualização tamanha,que podiam ser reconhecidos por suas características essenciais.
O “ jogador completo”,Pelé,o “lançador” ,Gerson,o “lateral técnico” Carlos Alberto,o cabeça de área técnico e guerreiro,Beckenbauer ,e assim por diante.
Esta vitória deveria ter consagrado o futebol arte e todo mundo o esperava.O modo de jogar único e original dos brasileiros ganhou a “ batalha das idéias “ futebolísticas.E isto representaria  a participação definitiva da cultura brasileira na década de 60 ,a mais importante da história e que ainda não terminou(apesar de tudo).O Brasil entrou nesta década pelo futebol e por sua cultura,especialmente musical, e poderia ter continuado a propor uma nova humanidade,se a mercantilização do esporte e o futebol-força,imposto definitivamente pela “ laranja mecânica” não passassem por cima daqueles momentos mágicos que o time brasileiro de 1958 a 1970 proporcionou durante doze anos ao mundo todo.
Não me refiro só ao time de 70,mas à seleção brasileira,de 1958 a 70,que foi a maior e mais original das seleções futebolisticas.O time de 58(62)era equivalente ao de 70 (e vice-versa),porque se a linha de 70 era composta dos maiores jogadores da história,58 tinha dos dois cinco maiores jogadores da história:Pelé e Garrincha.Em outro artigo falarei sobre estes cinco jogadores.
E a qualidade destes “ players” é superior ao que sobreveio a partir de 74 e muita gente se convenceu da superação de 70,olhando mais,como ocorre hoje,o dinheiro do que precisamente...a qualidade
Os jogadores do passado desenvolveram os fundamentos do jogo criativamente.A qualidade deles não depende de esteróides ,máquinas ou de dinheiro,mas de habilidade e cérebro,presentes em qualquer menino com pernas finas ou tortas.Ainda que logicamente seja mais do desejável que eles tenham formação de atleta ,isto não pode ser mais importante do que estas atribuições.Os jogadores do passado fariam talvez menos,por causa da marcação,mas não deixariam de ser o que eram e seriam melhores dos que estão aí.E mais do que isto:estas condições atléticas ajudam na longevidade de sua carreira,como já se tem visto aí em jogadores atuando até aos quarenta anos.
A meu ver o Brasil tinha como enfrentar o futebol força se o tivesse aliado,desde 74,ao futebol arte.O erro de 82 foi ter pensado que só a habilidade técnica ganharia campeonatos  e esta interpretação se baseia num erro de análise do time de 70:embora exponencialmente técnica a seleção tricampeã sabia usar de força quando preciso.Não é preciso lembrar como Carlos Alberto amaciou os ingleses e Pelé,os uruguaios.Isto também era uso da força.Uma coisa não exclui a outra;mas os europeus, desejando acabar com a hegemonia do Brasil,não pensaram duas vezes em privilegiar a tática e a brutalidade.Mesmo que a seleção holandesa  fosse técnica a tendência de priorizar a força se tornou mais forte,porque baixar a qualidade é mais fácil do que elevá-la.
O Brasil chegou ao cume da qualidade depois de décadas de evolução,passando pela figura de um Zizinho,que criou o “ jogador completo”,reunindo em si muitos recursos.
A crônica esportiva de esquerda ,preocupada muitas vezes com a revolução mundial e não com o Brasil,me acusaria de falar do futebol como algo sumamente importante,comparável com  outras realizações científicas ou artisticas.Muitos integrantes desta crônica ridicularizam Pelé por se comparar a Beethoven.Ridicularizam o futebol brasileiro por se considerar o melhor,mas eu não concordo.
Cada atividade que surge,profissional,deve ter um tempo para provar o seu nível de dificuldade,o grau de sua importância para sociedade.A física ,a química e a medicina,entre outras disciplinas,levaram séculos para mostrar profissionalismo,sendo  antes disto objeto de intensa ridicularização.Mas no momento em que obtiveram o seu status básico,só evoluíram para  uma complexidade cada vez maior.
Eu não considero justo igualar música erudita e popular,Nelson Cavaquinho e Bach.O nivel de complexidade é diferente,embora não sejam níveis impermeáveis.O futebol,como de resto o esporte,não tem como prática,o mesmo nível de complexidade da atividade de um neurocirurgião, mas no que tange às práticas populares já há uma dúvida,porque algumas destas útimas se elevam a bons níveis e certos compositores,como Beethoven,são muito devedores da música popular.
O futebol profissional tem um nivel de complexidade nas relações sociais que ele criou.Todos conhecem as análises de Norbert Elias sobre o futebol como uma transposição do paradigma militar para o esporte.Povos antigos ,como os Maias e Astecas usavam a pelota como parte de um jogo religioso,que indiretamente servia a propósitos de  educação militar e de defesa da comunidade.
Penso que é neste nível de complexidade que se deve analisar a responsabilidade do jogador e isto foi assim sempre desde o inicio,porque as torcidas já pressionavam os times.Isto sem falar na responsabilidade do jogador diante das torcidas,as responsabilidades profissionais,financeiras.
Como é diferente um virtuose do piano fazer um concerto em público e gravá-lo,é diferente o jogo real do da televisão,mas o jogador não joga senão em público.Este dado ainda favorece a avaliação da capacidade suprema deste selecionado de 70:nenhum deles jogava na Europa,mas nenhum deles medrou diante dos ingleses ou qualquer outro time;coisa muito diferente ocorreu no 7a 1,em que todos conheciam os seus adversários,mas não resistiram à pressão da responsabilidade ,no meu entender.
Há jogadores que compreendem esta relação.São os chamados “ jogadores  de seleção”,nos quais colocar a camisa amarela funciona como uma poção mágica de força.Há outros ,no entanto,que murcham diante do peso.Tostão se referiu uma vez a um jogador excepcional que ele conheceu antes de se profissionalizar e que,por timidez,não cresceu.Eu mesmo vi um jogador,onde moro,que era capaz de driblar o time adversário e o seu duas vezes e fazer o gol,mas por motivos semelhantes a sua carreira não vicejou.
Eu acompanhei a Copa de 70 com 8 anos,quando ainda torcia inconscientemente pelo Flamengo(quando cresci passei a torcer pelo time certo:o Fluminense).E só alguns lances ficaram na minha memória:o gol de Petras  e o sinal da cruz que ele fez ajoelhado ,o que escandalizou a minha casa de comunistas;a resposta do mesmo jeito,de Jairzinho,num dos gols que eu não lembro.Um lance do jogo da Inglaterra.Depois o jogo que mais assisti,contra o Peru,em que avisei a todos dos gols há muito esperados,de Tostão,inclusive daquele em que ele machucou a orelha também.Do jogo contra o Uruguai só vi o frango de Félix. E no final,o gol de Pelé de cabeça e o gol de Jairzinho,que só o fez porque errou o chute.Após foi a vida continuar.Até hoje.

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