sábado, 26 de outubro de 2013

O Rei Lear


Amigos,nós sempre tivemos contato,pelo cinema,de obras escatológicas de fim-de-mundo,em que heróis solitários salvam a humanidade.Outro dia me lembrei de um filme com Charlton Heston,de 1970 se não me engano,no qual,pouco depois de Woodstock ocorre um holocausto nuclear que deforma alguns seres humanos e deixa outros,como ele,intacto,para tentar a reeducação da humanidade,pelos meios de que dispõe,às vezes violentos.Mas no filme ,a mensagem é cristã,de sacrifício pessoal do herói que ,com isso,redime de novo a humanidade.

Cá com os meus botões,há muitos anos apreciador de Shakespeare,adorava Hamlet como o maior dos seus traballhos.Isto até ao momento em que pude assistir com atenção ao Rei Lear de Peter Brook,com Paul Scofield no papel principal.

Anos depois ,a versão de Kurosawa,Ran,me fez esquecer o Hamlet e me tornar um obsessivo estudioso de Rei Lear,que eu considero a maior obra já feita pela humanidade e digo porquê:

Se todos conhecem a estória, Lear,velho senil de 88 anos quer se aposentar e chama as filhas para dividir o reino e aproveitar a sua velhice indo de um lugar para outro,de uma casa das filhas para outra.

A filha preferida Cordélia,quando vê o plano do pai e como ele divide as suas posses,recusa e o critica,sendo por ele expulso.As duas outras filhas o bajulam,recebem o quinhão ,mas depois rejeitam o pai pelos mesmos motivos políticos pelos quais o velho usou de violência e brutalidade.

Em face deste erro,que lhe é revelado paulatinamente pelo Bobo,grande e imortal personagem da humanidade,ele enlouquece,o que é representado na figura abaixo.
Gravura Rei Lear


Pode haver maior síntese da humanidade do que este périplo pessoal,que põe um pai diante de seus erros passados,erros representados pela atitude das filhas ,educadas,afinal,por ele mesmo?Pode haver teatro pedagógico maior do que este?

Antes de tecer as minhas considerações gostaria de colocar uma premissa metodológica:

A crítica Barbara Heliodora uma vez disse ,seguindo os parâmetros de toda boa dissertação que a coisa que ela mais detestava nos críticos em geral e particularmente nos de Shakespeare era o fato de falarem mais do que ele tinha dito,isto é,tirar dos textos mais do que havia.

Eu quero me colocar numa posição favorável a uma hermenêutica mais ampla e livre, alegando para isso ,o fato extraordinário de que o texto aqui em questão,como outros,apresenta inúmeras possibilidades e levando e conta o impacto do poeta na humanidade,é possível,na sua leitura ,separar o que está no texto do que é uma consequência do seu pensamento.

Dou um exemplo com a súmula que eu fiz no inicio:como não tirar um sentido pedagógico amplo da contraposição do Rei Lear com as filhas?Como não pensar nas inúmeras possibilidades deste evidente contraste entre o rei e a filha que diz a verdade e as que ,bajulando-o, acabam por traí-lo?Não foi acaso ele que as ensinou?

Toda a peça apresenta a verdade de que este rei senil precisa antes de morrer aprender a ser algo diferente do que ele foi a vida inteira,talvez o quê?Ser homem?Nisto não estaria embutida a sua crueldade?Que tipo de homem?Que tipo de pessoa?Ora ,este projeto individual acaso não vale para a humanidade como um todo?Isto já não é uma interpretação?Certamente Shakespeare pensou nisso,mas ele não abarcaria todos os homens,antes deixou os paradigmas de uma reforma da humanidade,no sentido de sair da crueldade ,da falsidade,para o bem e a verdade.

É aí que se conecta o estudo deste texto com o que eu disse inicialmente.

Se algum dia a humanidade desaparecer numa guerra total,visitantes extraterrestres poderão recompor o que a humanidade foi(é?)lendo esta obra de shakespeare.

Voltarei ao tema.


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