sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O significado da fogueira


Eu,em outro artigo,” os sinais da história”,fiz uma observação sobre certos fatos que cristalizam muito do que o país em que ocorrem,é.Eu citava o famoso livro de Robert Darnton,” O Grande Massacre de Gatos”,que trata de um episódio anterior à Revolução Francesa,mas que é uma base cultural da sua eclosão.Em determinado dia de 1758,os gatos e cachorros da aristocracia francesa amanheceram mortos,sob tortura.
Este acontecimento é citado também por outro grande escritor Simon Schama,em seu livro “ Cidadãos” e ele acrescenta mais dados sobre o cotidiano anterior à 1789,mostrando o quanto o sub proletariado urbano de Paris odiava a aristocracia e seu governo monárquico.
Todos os países  possuem fatos únicos ou recorrentes que expressam a média ética do país,o seu habitus fundamental.
Na Itália,por exemplo,a candidatura de Cicciolina revelou os traços do machismo italiano entrando no parlamento.E para corroborar este elemento de comédia italiana o então presidente daquela casa,Francesco Cossiga,implorou a ela que não mostrasse os seios lá dentro,prometendo em troca não perturbá-la em seu jeito “ específico” de fazer política.
No Brasil um fato recorrente é a queima dos ônibus,agora brts,mas apareceu um ,quiçá único, que confirma o que tenho dito aqui estes anos todos:falta um projeto de Brasil,de nação,que inclua a cidadania num objetivo determinado que ajude a melhorar a vida de todos.O Brasil é um país do “cada um por si”,uma competição darwinista de fazer inveja aos nazistas( e eu já disse  que o Brasil é muito parecido com a Alemanha nazista).
O incêndio que destruiu o Museu Nacional,de duzentos anos ,é este fato cristalizador desta situação.Ele expressa o desinteresse do brasileiro em fazer este projeto.Neste sentido o brasileiro(menos aqueles que denunciam este estado de coisas)é culpado do sinistro.
O brasileiro visita o Museu Nacional como vive a sua vida,hedonicamente,como um meio de divertimento,sem entender o papel total que esta instituição representa(-ava)para o Brasil.Na média eu quero dizer(antes que alguém me critique aí).
As análises sobre as consequências do sinistro revelam que todo mundo sabe destes liames,destes elos e responsabilidades públicas,mas esquecem o fundamental:o conhecimento(que é de todos)não é visto como algo cotidiano,necessário,como o esporte(futebol)ou o carnaval.Nada contra estas atividades,mas o conhecimento é decisivo porque ele implica em poder e o povo não se interessa pelo poder,que,por sua vez,não reconhece o povo,nos seus direitos de soberania.Se os políticos não fazem nada o brasileiro larga de mão o estado(que é sustentado por ele,pelos tributos)e constrói uma ideologia hedônica de futebol,mulheres e dinheiro,que é  o que mais se ouve por aí.
Certo, o brasileiro não tem como cobrar e não adianta,o mais das vezes.Mas o consagrar esta alienação,pelos  conceitos antes emitidos não é defensável.
Diretamente o povo não é culpado desta tragédia,mas reproduz o desinteresse da burocracia(que se escuda no desconhecimento do povo),na medida em que esta última não vê preocupação nenhuma com a preservação das suas instituições nacionais,uma vez que dinheiro,mulheres e futebol não são conceitos capazes de edificar uma nação.
Desde os gregos e chegando à Europa ,os países ,e isto é uma condição de seu progresso,conforme eu já expliquei também no meu referido artigo,se formulam conceitos que mediam as relações de cidadania(cidadania que é um conceito também):” igualdade de oportunidades”nos Estados Unidos;cidadania republicana na França;ensino laico e assim por diante.
No Brasil,não se sabe se o país é federalista ou não;qual é o regime de governo e  a forma de estado;se existe um povo.Está,pois,tudo por fazer e as realizações concretas,como o Museu,ficam à espera também.
A responsabilidade tem que ser apurada,não só por que é uma exigência óbvia(embora o esgarçamento social fique provado com o grau de fraqueza que esta apuração demonstrará),mas porque pode(eu disse pode)gerar a dinamis de modificação desta problemática geral de falta de um projeto nacional.Aí não se há de acusar o povo de culpa,porque legalmente a tarefa não é dele indistintamente.
Os setores responsáveis não só não buscam a nação como só a usam para interesses privados,pessoais,políticos imediatistas e a burocracia segue este enterro.
Medidas vão ser tomadas,culpados vão ser apontados,mas os outros problemas,dos outros tantos museus em péssimo estado,das estradas,dos buracos nas estradas,de crianças na rua,cracolândias,isto tudo vai ficar dantes como no quartel e Abrantes.Neste sentido é que entender o significado da fogueira pode desencadear uma mudança:ela sacramentou o fim do museu nacional e o fim da nação,que só vai ficar na memória,mas já se dissipou como possibilidade de conhecimento futuro,a se construir,por causa da perda das peças.
Se isto for entendido,e acho que não vai,há chance desta memória se tornar futuro,senão o futuro é virar um Paraguai.
Tenho dito que a salvaguarda da democracia brasileira é a nação e que nenhum dos candidatos à Presidência tem focado nesta questão.Quem for supersticioso vai ver no incêndio um mau presságio,como os cometas no passado remoto.

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