Eu,em outro
artigo,” os sinais da história”,fiz uma observação sobre certos fatos que
cristalizam muito do que o país em que ocorrem,é.Eu citava o famoso livro de
Robert Darnton,” O Grande Massacre de Gatos”,que trata de um episódio anterior
à Revolução Francesa,mas que é uma base cultural da sua eclosão.Em determinado
dia de 1758,os gatos e cachorros da aristocracia francesa amanheceram
mortos,sob tortura.
Este
acontecimento é citado também por outro grande escritor Simon Schama,em seu
livro “ Cidadãos” e ele acrescenta mais dados sobre o cotidiano anterior à
1789,mostrando o quanto o sub proletariado urbano de Paris odiava a
aristocracia e seu governo monárquico.
Todos os
países possuem fatos únicos ou
recorrentes que expressam a média ética do país,o seu habitus fundamental.
Na Itália,por
exemplo,a candidatura de Cicciolina revelou os traços do machismo italiano
entrando no parlamento.E para corroborar este elemento de comédia italiana o
então presidente daquela casa,Francesco Cossiga,implorou a ela que não
mostrasse os seios lá dentro,prometendo em troca não perturbá-la em seu jeito “
específico” de fazer política.
No Brasil um
fato recorrente é a queima dos ônibus,agora brts,mas apareceu um ,quiçá único,
que confirma o que tenho dito aqui estes anos todos:falta um projeto de
Brasil,de nação,que inclua a cidadania num objetivo determinado que ajude a
melhorar a vida de todos.O Brasil é um país do “cada um por si”,uma competição
darwinista de fazer inveja aos nazistas( e eu já disse que o Brasil é muito parecido com a Alemanha
nazista).
O incêndio que
destruiu o Museu Nacional,de duzentos anos ,é este fato cristalizador desta
situação.Ele expressa o desinteresse do brasileiro em fazer este projeto.Neste
sentido o brasileiro(menos aqueles que denunciam este estado de coisas)é
culpado do sinistro.
O brasileiro
visita o Museu Nacional como vive a sua vida,hedonicamente,como um meio de
divertimento,sem entender o papel total que esta instituição
representa(-ava)para o Brasil.Na média eu quero dizer(antes que alguém me
critique aí).
As análises
sobre as consequências do sinistro revelam que todo mundo sabe destes
liames,destes elos e responsabilidades públicas,mas esquecem o fundamental:o
conhecimento(que é de todos)não é visto como algo cotidiano,necessário,como o
esporte(futebol)ou o carnaval.Nada contra estas atividades,mas o conhecimento é
decisivo porque ele implica em poder e o povo não se interessa pelo
poder,que,por sua vez,não reconhece o povo,nos seus direitos de soberania.Se os
políticos não fazem nada o brasileiro larga de mão o estado(que é sustentado
por ele,pelos tributos)e constrói uma ideologia hedônica de futebol,mulheres e
dinheiro,que é o que mais se ouve por
aí.
Certo, o
brasileiro não tem como cobrar e não adianta,o mais das vezes.Mas o consagrar
esta alienação,pelos conceitos antes
emitidos não é defensável.
Diretamente o
povo não é culpado desta tragédia,mas reproduz o desinteresse da burocracia(que
se escuda no desconhecimento do povo),na medida em que esta última não vê
preocupação nenhuma com a preservação das suas instituições nacionais,uma vez
que dinheiro,mulheres e futebol não
são conceitos capazes de edificar uma nação.
Desde os gregos
e chegando à Europa ,os países ,e isto é uma condição de seu progresso,conforme
eu já expliquei também no meu referido artigo,se formulam conceitos que mediam
as relações de cidadania(cidadania que é um conceito também):” igualdade de
oportunidades”nos Estados Unidos;cidadania republicana na França;ensino laico e
assim por diante.
No Brasil,não se
sabe se o país é federalista ou não;qual é o regime de governo e a forma de estado;se existe um
povo.Está,pois,tudo por fazer e as realizações concretas,como o Museu,ficam à
espera também.
A
responsabilidade tem que ser apurada,não só por que é uma exigência óbvia(embora
o esgarçamento social fique provado com o grau de fraqueza que esta apuração
demonstrará),mas porque pode(eu disse pode)gerar a dinamis de modificação desta
problemática geral de falta de um projeto nacional.Aí não se há de acusar o
povo de culpa,porque legalmente a tarefa não é dele indistintamente.
Os setores
responsáveis não só não buscam a nação como só a usam para interesses
privados,pessoais,políticos imediatistas e a burocracia segue este enterro.
Medidas vão ser
tomadas,culpados vão ser apontados,mas os outros problemas,dos outros tantos
museus em péssimo estado,das estradas,dos buracos nas estradas,de crianças na
rua,cracolândias,isto tudo vai ficar dantes como no quartel e Abrantes.Neste
sentido é que entender o significado da fogueira pode desencadear uma
mudança:ela sacramentou o fim do museu nacional e o fim da nação,que só vai
ficar na memória,mas já se dissipou como possibilidade de conhecimento futuro,a
se construir,por causa da perda das peças.
Se isto for
entendido,e acho que não vai,há chance desta memória se tornar futuro,senão o
futuro é virar um Paraguai.
Tenho dito que a
salvaguarda da democracia brasileira é a nação e que nenhum dos candidatos à
Presidência tem focado nesta questão.Quem for supersticioso vai ver no incêndio
um mau presságio,como os cometas no passado remoto.
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