terça-feira, 26 de maio de 2020

À propósito de Anita Leocádia Prestes

Anita Leocádia Prestes ,que está publicando um novo livro,concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo hoje e não pude deixar de ser influenciado por este reaparecimento.
Quando entrei no Partido,ou melhor,no periodo final da ditadura e começo dos anos 80 do século passado(quando entrei no Partido Comunista,que já era meu partido em casa),só se falava em Anita como a porta-voz do Prestes,especialmente quanto às suas posições rigidas em relação à forma de organização do partido,que,para ela e para seu pai,só devia aceitar pessoas que tinham conhecimento real do que era a doutrina comunista.
Na época esta posição era tida como a defesa de um “ partido de quadros” em oposição ao “ partido de massas”,que era o que o partido vindo do exilio queria implementar.
Esta dicotomia era parcialmente verdadeira,porque não havia propriamente da parte de Prestes e de Anita este tipo de percepção da oposição entre vanguarda e “ retaguarda” ou “ massa”.Eles pensavam em termos de uma identidade lógica entre o pensamento,a teoria e a prática(“não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária”[Lênin]).
De outro lado o partido pensava que a mediação decisiva da democracia,como valor estratégico,isto é,como finalidade,devia admitir aquele que não tinha um conhecimento teórico.
Com o partido legalizado,mas mesmo antes(quando eu já atuava)havia uma discussão sobre o modo como esta segunda visão se implementava.De um lado Hércules Correa não aceitava que não-militantes participassem,no que se chamava “ circulo externo”;de outro Givaldo Siqueira,que preconizava esta participação.
No fundo, no tempo de Prestes estava presente este circulo externo:toda vez que ele perdia um debate politico no comitê central recorria a este circulo para criar um outro comitê,afeito a ele.
Nos anos 80 o objetivo da manutenção do circulo era favorecer o comportamento democrático do partido,mas ele serviu aos mesmos propósitos de Prestes e do comitê central:favorecer aos chefes do partido,quando contestados ,a manter o seu poder com a ajuda destas pessoas acriticas que só estavam lá demagogicamente por obra e graça deste chefe,que lhes oferecia algum tipo de vantagem.
Mas eu fiz este intróito para mostrar,a partir das análises feitas por ela na entrevista,a respeito do momento atual do Brasil,como o meu pensamento tem contatos com o dela,porque muito embora não seja mais comunista no sentido que tinha esta expressão no interior do partidão e que permanece na cabeça dela,em termos,como vimos acima.A atividade politica da esquerda,que eu penso ser a da esquerda, provém do processo de crítica da minha militância.
Em termos negativos,quer dizer,negando o que eu vi lá,construí o meu pensamento.Anita Leocádia afirma que a esquerda não tem fundamentos,não tem projeto,que faz leis que não pegam e precisa criar mecanismos para ajudar o povo a sair do sofrimento,que eram idéias do partido,mas que pertencem a todo aquele,de um ou de outro modo ,raciocina em termos de emancipação politica dos povos,e não apenas,assistencialisticamente,como fez Lula e faz a esquerda.
As vanguardas atuais da esquerda não se preocupam mais com isto,a razão emancipatória,mas repetem os esquemas das piores burguesias,fazendo caridade para obter vantagens financeiras e politicas,através do que se chama hoje de “ terceiro setor”.
É muito melhor viver numa sociedade preocupada com os pobres ,ainda que por esta forma caridosa,do que numa em que predomina o ódio,como no nazismo;mas não é suficiente ficar nisto aí e a tarefa histórica da esquerda não é imitar estas práticas manipulatórias.
Ajudar um catador de latas é muito bom,mas o terceiro setor e a esquerda em geral deviam usar isto para emancipar este oprimido e tirá-lo da sua condição social injusta.Não é preciso ser radical e comunista para dizer isto.
Pelo menos Anita tem este referencial e a leitura de sua entrevista me trouxe um passado que cada vez mais se esfuma neste presente desassisado em que vivemos.E que as discussões do passado ainda são válidas hoje,ainda que por contestação.

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