Anita
Leocádia Prestes ,que está publicando um novo livro,concedeu uma
entrevista à Folha de São Paulo hoje e não pude deixar de ser
influenciado por este reaparecimento.
Quando
entrei no Partido,ou melhor,no periodo final da ditadura e começo
dos anos 80 do século passado(quando entrei no Partido Comunista,que
já era meu partido em casa),só se falava em Anita como a porta-voz
do Prestes,especialmente quanto às suas posições rigidas em
relação à forma de organização do partido,que,para ela e para
seu pai,só devia aceitar pessoas que tinham conhecimento real do que
era a doutrina comunista.
Na
época esta posição era tida como a defesa de um “ partido de
quadros” em oposição ao “ partido de massas”,que era o que o
partido vindo do exilio queria implementar.
Esta
dicotomia era parcialmente verdadeira,porque não havia propriamente
da parte de Prestes e de Anita este tipo de percepção da oposição
entre vanguarda e “ retaguarda” ou “ massa”.Eles pensavam em
termos de uma identidade lógica entre o pensamento,a teoria e a
prática(“não há movimento revolucionário sem teoria
revolucionária”[Lênin]).
De
outro lado o partido pensava que a mediação decisiva da
democracia,como valor estratégico,isto é,como finalidade,devia
admitir aquele que não tinha um conhecimento teórico.
Com
o partido legalizado,mas mesmo antes(quando eu já atuava)havia uma
discussão sobre o modo como esta segunda visão se implementava.De
um lado Hércules Correa não aceitava que não-militantes
participassem,no que se chamava “ circulo externo”;de outro
Givaldo Siqueira,que preconizava esta participação.
No
fundo, no tempo de Prestes estava presente este circulo externo:toda
vez que ele perdia um debate politico no comitê central recorria a
este circulo para criar um outro comitê,afeito a ele.
Nos
anos 80 o objetivo da manutenção do circulo era favorecer o
comportamento democrático do partido,mas ele serviu aos mesmos
propósitos de Prestes e do comitê central:favorecer aos chefes do
partido,quando contestados ,a manter o seu poder com a ajuda destas
pessoas acriticas que só estavam lá demagogicamente por obra e
graça deste chefe,que lhes oferecia algum tipo de vantagem.
Mas
eu fiz este intróito para mostrar,a partir das análises feitas por
ela na entrevista,a respeito do momento atual do Brasil,como o meu
pensamento tem contatos com o dela,porque muito embora não seja mais
comunista no sentido que tinha esta expressão no interior do
partidão e que permanece na cabeça dela,em termos,como vimos
acima.A atividade politica da esquerda,que eu penso ser a da
esquerda, provém do processo de crítica da minha militância.
Em
termos negativos,quer dizer,negando o que eu vi lá,construí o meu
pensamento.Anita Leocádia afirma que a esquerda não tem
fundamentos,não tem projeto,que faz leis que não pegam e precisa
criar mecanismos para ajudar o povo a sair do sofrimento,que eram
idéias do partido,mas que pertencem a todo aquele,de um ou de outro
modo ,raciocina em termos de emancipação politica dos povos,e não
apenas,assistencialisticamente,como fez Lula e faz a esquerda.
As
vanguardas atuais da esquerda não se preocupam mais com isto,a razão
emancipatória,mas repetem os esquemas das piores burguesias,fazendo
caridade para obter vantagens financeiras e politicas,através do que
se chama hoje de “ terceiro setor”.
É
muito melhor viver numa sociedade preocupada com os pobres ,ainda que
por esta forma caridosa,do que numa em que predomina o ódio,como no
nazismo;mas não é suficiente ficar nisto aí e a tarefa histórica
da esquerda não é imitar estas práticas manipulatórias.
Ajudar
um catador de latas é muito bom,mas o terceiro setor e a esquerda em
geral deviam usar isto para emancipar este oprimido e tirá-lo da sua
condição social injusta.Não é preciso ser radical e comunista
para dizer isto.
Pelo
menos Anita tem este referencial e a leitura de sua entrevista me
trouxe um passado que cada vez mais se esfuma neste presente
desassisado em que vivemos.E que as discussões do passado ainda são
válidas hoje,ainda que por contestação.
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