terça-feira, 7 de setembro de 2021

O golpe

 

O golpe do animal

Realmente,com os fatos de hoje ,7 de setembro,estamos aptos a dizer que o golpe foi deflagrado,quer dizer a sua tentativa,o seu primeiro tiro.

O que caracteriza em ciência politica um golpe é assunto controverso.Jarbas Passarinho costumava diminuir a ditadura militar levando em conta a conceituação de Maurice Duverger ,para quem quando alguém é impedido de chegar ao poder é porque já há uma ditadura.

Não é muito frequente a imposição de uma ditadura,de pronto,de plano.Assim de chofre só lembro do golpe de 1937 dado por Getúlio.

De modo geral os golpes são processos,expressando uma verdade da politica e da ciência politica:não há um conceito únivoco,definitivo, para certas ocorrências como um golpe de estado.

Então,como sempre ,há que reter alguns elementos constitutivos de sua definição.

A bem da verdade a questão começa com a concepção politica de São Tomás de Aquino ,para quem há direito de sublevação quando um principe cristão governa o seu povo sem levar em conta principios cristãos.No sentido contrário o principe que age assim,está impondo uma ditadura.A ditadura é consequência de um golpe.A revolução pode se tornar uma ditadura ou usá-la como técnica de alcance do poder,mas a imposição é sempre um golpe,porque é um ato de vontade sobre o meio politico.As revoluções expressam os desejos sociais,liberando-os.

O modo como se implanta uma ditadura surge históricamente com a Revolução Francesa ,relevando o fato de que determinados grupos se sentem no direito de tomar diretamente o poder por alguam razão,contra os principios legais,normativos e morais que informam uma sociedade.Quando este arcabouço não soluciona os problemas reais da sociedade dá-se um golpe ou,numa perspectiva mais ampla ,faz-se uma revolução.

Desde então o problema dos golpes se reproduziu constantemente inclusive e principalmente na França.

Os golpes são dados dentro de contextos prévios que os facilitam e por isso não são atos de vontade apenas(embora a decisão se mostre com clareza),mas atos de vontade que servem de intersecção de diversos outros elementos que os possibilitam.

Então mesmo os aparentemente golpes simples são processuais,no sentido d e sua realização , estabelecimento,efetivação e legitimação,não necesssariamente nesta ordem.Ás vezes a legitimação está dada antes ,como em 64.

E também a percepção do golpe não é univoca,não é de todos.Quando Hitler incendiou o Reichstag e reprimiu os partidos “de inspiração marxista” ,como ele disse ou “ os de oposição” ninguém considerou que a ditadura tinha sido implantada,só quem fora reprimido.Ma s a ditadura já o é aí neste momento.

Apesar do caráter processual ,há um momento em que não se pode ,por pequeno que seja,negar um traço essencial e de presença real da ditadura.A ditadura se formou aí.Pode retornar ,mas este momento foi ditatorial ,sendo uma condição de continuidade.

Não é o impedimento do outro de chegar ao poder,mas atingir o fundamento da organização politica de modo a favorecer um grupo só,uma parte só da sociedade.

Paulo Bonavides diz em seu manual de Ciência Politica que o golpe de estado significa simplesmente a tomada do poder por meios ilegais,mas esta definição não expressa a complexidade do fenômeno,porque historicamente nós vemos ditaduras sendo implantadas por meios legais.Seria melhor dizer que o golpe de estado atinge a sociedade nos seus alicerces normativos.

Igualmente é dificil pensar num golpe que não seja contra alguém,mas nos antigos países do socialismo real,a partir de Stalin e a constituição de 37,imagina-se que a maioria não podia impor uma ditadura sobre ela própria.Algo semelhante deve se dizer sobre o nacional socialismo de Hitler.

A meu ver o que carcteriza o momentum crucis do golpe e da sua consequencia lógica, a ditadura é:quando um grupo social é o único a dominar o processo politico decisório.Quando este grupo é o favorecido pelo ato de vontade.

Se Bolsonaro tira fora o ministro do supremo Alexandre de Moraes,por menor que seja este ato,ele e o seu grupo são favorecidos ,deixando de fora o país todo.No entanto se o país todo fosse beneficiado,o processo politico se paralisaria do mesmo jeito,por vontade unilateral.

A ditadura prossegue ao longo da história mas o processo politico,suas possibilidades, está inevitavelmente parado.

Em principio ninguém está excluido deste processo politico,mesmo criminosos.Quando se exclui alguém,um só,a politica está comprometida por um golpe.

E esta abertura da politica,para se desenvolver,para solucionar problemas, se rompe,se impede, quando a soberania é tolhida e a soberania não é mais cristã ,monárquica ,racial ou proletária,mas cidadã,jus-humana,isto é,de direitos humanos.


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