sábado, 7 de julho de 2018

Montesquieu e Neymar Jr.


Em seu “Espirito das Leis”  Montesquieu,para fundamentar a sua teoria da representação,faz uma distinção entre o comportamento do burguês e do aristocrata.A sua perspectiva era comum na sua época,se refletindo também na postura estética de um Moliére,por exemplo.
Para Monstesquieu o burguês extrai do dinheiro que guarda a sua identidade.Ele só é o que é porque tem dinheiro.Diferentemente o aristocrata é movido pelo sentimento de honra,que,segunde ele,é um valor transcendente e que reside na natureza humana,para além das questões práticas e comezinhas que permeiam a vida burguesa.Quer dizer a nobre arte da vida e da política(bem como da liberdade)só podia ser exercida pela aristocracia,pelos melhores,pelos mais capazes de ir além dos interesses e se ocupar da polis.Só a aristocracia tinha(por escolha[segundo ele])ligação com a polis e a liberdade,entendidas como o corpo político,a coletividade humana,tocada pelo estado e pela administração pública.O burguês só pensa  em si mesmo.Não ocorreu a Montesquieu que o aristocrata tinha liberdade porque alguém trabalhava por ele...mas isto é outro assunto.
Para além do problema de classes,que deslegitima o aristocrata,pelo útlimo motivo supradito,o direito de escolher o seu caminho garantido a ele pelas circunstâncias sociais,não impede que o senso de honra seja um valor atribuível a qualquer pessoa,inclusive do povo,o plebeu.O plebeu,digo eu,é despojado,vive do seu trabalho e isto encerra uma certa honorabilidade,mas uma honorabilidade dependente de certos comportamentos.Na aristocracia predomina a escolha,a escolha livre de condicionamentos.
Os comunistas,os marxistas,tão críticos com Montesquieu(com uma certa razão)sempre usaram parte de seus argumentos opondo a figura heróica de Napoleão ao oportunismo da burguesia,representada,em 1815,após a Batalha de Waterloo,na figura do banqueiro judeu Rotschild.Com a derrota de Napoleão o banqueiro jogou na bolsa e ganhou fortunas.
Tradições de comunistas sempre defenderam uma postura heroica do movimento,do trabalhador diante do burguês,numa associação bastante imprevista com a aristocracia.Até acrescentam ,pelo compromisso do trabalho,algo mais ao sentimento de honra.
Esta é uma das razões pelas quais Moliére,tão inserido no seu contexto histórico,continua atual:a atitude aristocrática,para além da classe,é o sonho da humanidade.A  elegância própria e exigível da aristocracia é derivação inevitável da escolha por si mesmo,do sentimento de valor da pessoa consciente,capaz de escolher sem nenhum óbice,nenhuma barreira.
No entanto,em nossa época,em que a utopia de modo geral foi questionada(no mínimo)sobrevivendo as necessidades humanas,a burguesia mantém sua hegemonia,contra tudo e contra todos.
Diante deste fato deveria haver um desespero,pois a condição humana,supostamente,não existiria mas e aquele mendigo que chama a todos,por aí, de inumanos teria razão.
Mas,lembrando as concepções de Paul Ricoeur,dos neo-aristotélicos e dos próprios gregos,a constatação dos fados,do inevitável na vida(como se colocou diante de Édipo),é uma oportunidade de superação,que todo limite(aparentemente )intransponível proporciona.É justamente porque,como diz Freud,o ser humano não se adequa,que o fado,embora real,não limita a sua subjetividade,que é algo maior do que aquilo que se impõe a ele.É justamente a constatação essencial do limite que propicia os projetos.Os totalitarismos,de esquerda ou de direita,as psicopatias,não compreendem que o fado não é o inferno,mas a condição de possibilidade.As crises também o são,mas no sentido de que o acaso oferece a oportunidade.Mas o fado não é diferente.
A derrota para a Bélgica,mais uma em nível universal de Neymar,é um fado irreversível(como todos os fados),mas não paralisa o tempo.A oportunidade continua,se esta constação,fado-tempo-possibilidade,for identificada.
A subjetividade não encontra nas coisas,nos atos,a sua realização,pois só se realiza aquilo que já está na cabeça do homem,compreendido e sentido emocionalmente.Como na aristocracia a relação de si para consigo mesmo é a chave para solucionar os problemas e os impasses que uma derrota cria.
Não é o trabalho,o dinheiro ou o despojamento que dignificam o homem,mas ele mesmo com as suas escolhas.Antes e acima destas mediações está a pessoa.
Estes jogadores do Brasil ,e Neymar entre eles,bem como os outros,pelo mundo afora,nos seus próprios países,ganham caminhões de dinheiro,legitimamente,mas parecem se reduzir a eles(aos caminhões e ao dinheiro).Eles se tornaram piores que os investidores do mercado financeiro,porque estes ainda aparentam um certo propósito.Mas os jogadores de futebol se tornaram parte da engrenagem financeiro-política em que se tornou o esporte.
Não há mais necessidade de fazer história(com mais legitimidade do que Napoleão);não há mais desejo de uma grande jogada a ser lembrada séculos afora,por gerações(como as de Pelé em 70).A questão é garantir a sobrevivência sem trabalho( e realizações)dos descendentes.Um  jovem que ganha desde antes dos vinte anos 100 mil reais não necessita mais de construir um nome e de deixar uma mensagem.Nós somos os anti-gregos:nenhuma preocupação direta com a polis,com os outros,com o povo,com a liberdade ,com as realizações(as obras),com a eternidade,só ganhar dinheiro e aproveitar não sei o quê.A escolha(e  a liberdade)é substituída pelo dinheiro,pelo caminhão de dinheiro.

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