domingo, 12 de novembro de 2023

Como entender a democracia Em termos de esquerda

 Quando comecei a militar no inicio dos anos oitenta,a grande discussão(que já era atrasada em relação à europa)da democracia brasileira,que se esperava renascer ,era a democracia como “ valor estratégico”.

Superando Lênin a democracia passava ,para a esquerda moderna, a ser uma finalidade e não um meio para se chegar ao poder,para depois suprimi-la.

George Orwell e Carlos Lacerda(que seguia o primeiro)cansaram de mostrar esta contradição que estava afastando o comunismo,principalmente o ocidental,das sociedades democráticas que  não queriam nos seus países o que se dera no stalinismo.

No rastro da desestalinização, de Kruschev,o “uso” da democracia para se chegar à utopia foi admitido,mas não nos termos leninistas,de implantação subsequente da ditadura do proletariado.

A democracia não era mais “ usável”,manipulável,mas  sua ampliação era a condição de se chegar à utopia.Era um revérbero da II internacional,não muito reconhecido pela comunismo ocidental.

Contudo,já naquela época (e hoje) eu notava alguns problemas fundamentais nesta “ renovação”,uma renovação que rompia com Marx:a questão da democratização do estado burguês,pela pura e simples ampliação da democracia sempre foi discutível.

Para mim a questão continua aquela:para criar uma sociedade comunista no sentido real do termo(não socialismo real),há que ter uma cidadania democrática e moderna de trabalhadores e capacidade produtiva,para criar abundância de bens e distribuí-los entre todos ,como Marx queria.

Se isto não está presente não há como “ democratizar o estado burguês”,porque ele vai sempre garantir uma distribuição desigual.Esta distribuição não é necessariamente de natureza “ burguesa”:ela consagra o principio da desigualdade,presente na sociedade de classe ,inclusive burguesa,mas como eu já expliquei a desigualdade natural dos homens transcende a estas sociedades,desde Jericó.Mesmo no comunismo esta desigualdade permanece e Marx o reconhece na ideologia alemã.

Assim sendo o controle público do mercado,da maioria sobre o estado,a diminuição da distância entre os homens ,no âmbito do capitalismo, é legitimo e é base para a utopia.O comunismo não é  religião ,não é  contra  o capitalismo,mas a partir dele.

Então é a partir da sociedade capitalista,em sua forma nacional inclusive,que se constrói a utopia.

Neste contexto a democracia continua como uma finalidade em si mesma,mas não no seu sentido meramente formal .A meu ver reside aqui o problema.

O conceito de social-democracia é epocal,porque ele expressa o reconhecimento da questão social ,que no mundo foi ganho dos anarquistas(não do marxismo),sem prescindir do ganho da democracia moderna,que os comunistas ortodoxos levaram quase um século para assumir(se é que assumiram).

Numa visão democrática republicana moderna a equidistância dos movimentos e partidos é exigível.Esta afirmação acima parece colocar a social-democracia em idêntico patamar do cientificismo marxista,cujo paroxismo é o stalinismo:mas não é fato.

A exigência  do reconhecimento do problema social não é absoluta,porque há sociedades que o superaram,sem ter este foco em mente:a Áustria ,que sempre foi um país conservador e aristocrático ,chegou lá,com uma experiência socialista muito boa(bruno kreysky),mas curta,pequena.

No plano sociológico geral não há como não reconhecer esta questão e o que impede que uma visão modelar totalitária (porque modelar)derive da social-democracia é que ela se põe na voragem do tempo,na alternância de poder, de fato .

Os comunistas italianos admitiram na bacia das almas a alternância de poder,mas de modo geral,a  ditadura do proletariado sempre esteve à espreita.Sempre ouvi da esquerda ,na minha militância ,que se o cavalo passasse encilhado,ela montava e é assim até hoje.

A razão deste oportunismo é não entender a democracia como “ valor estratégico”:ela tem que ter conteúdos precisos para mudar a sociedade.Se não é assim,a esquerda se iguala ao formalismo liberal,que tem o seu lugar mas não investe num processo de mudança.

O que se viu na impeachment de Dilma foi isto:ela se considerava moderna e democrática por dizer que  só no parlamentarismo ela devia ser apeada.Ela,que advogava assertividade,não o estava sendo,porque este é um principio formal,a ser retido,mas não ser mantido como critério suficiente.

Na ocasião, quem expressou melhor esta realidade foi Jarbas Vasconcelos,quando disse que ela “ mentira à nação”.

Pode-se discutir qualquer tecnalidade naquele processo ,mas não é só na democracia formal que as coisas se decidem e tal devia ser compreensão fundamental de qualquer pessoa de esquerda.

Não é só dizer que é democrata ,mas provar o seu comportamento no cotidiano,como fizeram os italianos.

Quando eu militava, a democracia era vista como congregação de pessoas,que a democracia como “valor estratégico” se fazia assim,reunindo as pessoas,mas eu sempre batia de frente,exigindo que esta “ congregação” se fizesse em torno de ideias,de conteúdos.Senão seria um quase-democratismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário