Quando comecei a militar no inicio dos anos oitenta,a grande discussão(que já era atrasada em relação à europa)da democracia brasileira,que se esperava renascer ,era a democracia como “ valor estratégico”.
Superando Lênin a democracia passava ,para a esquerda moderna, a ser uma
finalidade e não um meio para se chegar ao poder,para depois suprimi-la.
George Orwell e Carlos Lacerda(que seguia o primeiro)cansaram de mostrar
esta contradição que estava afastando o comunismo,principalmente o ocidental,das
sociedades democráticas que não queriam
nos seus países o que se dera no stalinismo.
No rastro da desestalinização, de Kruschev,o “uso” da democracia para se
chegar à utopia foi admitido,mas não nos termos leninistas,de implantação subsequente
da ditadura do proletariado.
A democracia não era mais “ usável”,manipulável,mas sua ampliação era a condição de se chegar à
utopia.Era um revérbero da II internacional,não muito reconhecido pela
comunismo ocidental.
Contudo,já naquela época (e hoje) eu notava alguns problemas fundamentais
nesta “ renovação”,uma renovação que rompia com Marx:a questão da democratização
do estado burguês,pela pura e simples ampliação da democracia sempre foi
discutível.
Para mim a questão continua aquela:para criar uma sociedade comunista no
sentido real do termo(não socialismo real),há que ter uma cidadania democrática
e moderna de trabalhadores e capacidade produtiva,para criar abundância de bens
e distribuí-los entre todos ,como Marx queria.
Se isto não está presente não há como “ democratizar o estado burguês”,porque
ele vai sempre garantir uma distribuição desigual.Esta distribuição não é necessariamente
de natureza “ burguesa”:ela consagra o principio da desigualdade,presente na
sociedade de classe ,inclusive burguesa,mas como eu já expliquei a desigualdade
natural dos homens transcende a estas sociedades,desde Jericó.Mesmo no
comunismo esta desigualdade permanece e Marx o reconhece na ideologia alemã.
Assim sendo o controle público do mercado,da maioria sobre o estado,a diminuição
da distância entre os homens ,no âmbito do capitalismo, é legitimo e é base
para a utopia.O comunismo não é religião ,não é contra o capitalismo,mas a partir dele.
Então é a partir da sociedade capitalista,em sua forma nacional inclusive,que
se constrói a utopia.
Neste contexto a democracia continua como uma finalidade em si mesma,mas
não no seu sentido meramente formal .A meu ver reside aqui o problema.
O conceito de social-democracia é epocal,porque ele expressa o
reconhecimento da questão social ,que no mundo foi ganho dos anarquistas(não do
marxismo),sem prescindir do ganho da democracia moderna,que os comunistas
ortodoxos levaram quase um século para assumir(se é que assumiram).
Numa visão democrática republicana moderna a equidistância dos movimentos
e partidos é exigível.Esta afirmação acima parece colocar a social-democracia em
idêntico patamar do cientificismo marxista,cujo paroxismo é o stalinismo:mas
não é fato.
A exigência do reconhecimento do
problema social não é absoluta,porque há sociedades que o superaram,sem ter
este foco em mente:a Áustria ,que sempre foi um país conservador e
aristocrático ,chegou lá,com uma experiência socialista muito boa(bruno kreysky),mas
curta,pequena.
No plano sociológico geral não há como não reconhecer esta questão e o
que impede que uma visão modelar totalitária (porque modelar)derive da social-democracia
é que ela se põe na voragem do tempo,na alternância de poder, de fato .
Os comunistas italianos admitiram na bacia das almas a alternância de
poder,mas de modo geral,a ditadura do
proletariado sempre esteve à espreita.Sempre ouvi da esquerda ,na minha
militância ,que se o cavalo passasse encilhado,ela montava e é assim até hoje.
A razão deste oportunismo é não entender a democracia como “ valor
estratégico”:ela tem que ter conteúdos precisos para mudar a sociedade.Se não é
assim,a esquerda se iguala ao formalismo liberal,que tem o seu lugar mas não
investe num processo de mudança.
O que se viu na impeachment de Dilma foi isto:ela se considerava moderna
e democrática por dizer que só no
parlamentarismo ela devia ser apeada.Ela,que advogava assertividade,não o
estava sendo,porque este é um principio formal,a ser retido,mas não ser mantido
como critério suficiente.
Na ocasião, quem expressou melhor esta realidade foi Jarbas Vasconcelos,quando
disse que ela “ mentira à nação”.
Pode-se discutir qualquer tecnalidade naquele processo ,mas não é só na
democracia formal que as coisas se decidem e tal devia ser compreensão
fundamental de qualquer pessoa de esquerda.
Não é só dizer que é democrata ,mas provar o seu comportamento no cotidiano,como
fizeram os italianos.
Quando eu militava, a democracia era vista como congregação de pessoas,que
a democracia como “valor estratégico” se fazia assim,reunindo as pessoas,mas eu
sempre batia de frente,exigindo que esta “ congregação” se fizesse em torno de
ideias,de conteúdos.Senão seria um quase-democratismo.
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