quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Laicização e ateísmo




Existem movimentos no Brasil que confundem  laicismo com ateísmo. A URSS ,desde as constituições patrocinadas por Lênin,afirmaram o ateísmo como política de Estado,defendendo o seu proselitismo.
Dentro de uma tradição que remontava ao século XVIII(talvez até antes,séc. XVII),como resposta às guerras religiosas,a luta pela tolerância foi construindo um pensamento ,que desembocou no republicanismo moderno,de que a religião não devia se misturar com a política. É um aprofundamento de concepções que vêm de um Erasmo de Roterdam,por exemplo,que acusava os  Papas de não serem pastores,como mandava a Bíblia e Cristo. A precipitação da Reforma e a consequente Contra-Reforma,rivalidade que gerou as terríveis guerras religiosas,colocou para debaixo do tapete estas concepções.
Depois do século XVIII,o problema judaico ,na Europa,trouxe de volta o problema religioso. Muitos judeus (como o pai de Marx,por exemplo),na Alemanha ,se aculturavam alegando uma atitude agnóstica diante da religião. Que a questão da crença em Deus era uma questão pessoal e que o problema era a religião,uma questão de poder como qualquer outra e em nome desta aculturação afirmavam que o Estado Moderno não devia se imiscuir na religião,porque assim,embora estes judeus se aculturassem,não ficavam mal com seus irmãos,que resistiam.
O deísmo,na Europa,de um Voltaire ou de um Robespierre,era uma forma de amplificar o direito inerente de cada cidadão,principalmente nas cidades Européias protestantes,pós-guerras,de manter as suas crenças como algo estritamente privado.
O direito protestante de ler a bíblia e interpretá-la com mais liberdade colocou a possibilidade ,para alguns corajosos,de não interpretá-la,de deixá-la de lado,bem como a Deus.
Vê-se por aí que a separação entre igreja e Estado,como representante dos cidadãos e o ateísmo estão juntos. Contudo ,dentro da liberdade civil não estão.
Na Revolução Francesa a afirmação do estado laico é absoluta,depois de 1792,com a primeira república francesa. Contudo os excessos e libertinagem política  e social geral  forçaram Robespierre a criar um símbolo deísta,que transcendendo às pessoas,lhe desse propósito e motivo de obediência e disciplina do cidadão. Este símbolo foi o culto do ente Supremo ,que poria os cidadãos numa humilde constatação de que há algo maior do que ele. Robespierre ainda era um homem do passado,porque o cidadão ,no sentido moderno da expressão,não deve respeito a um Deus medroso de aparecer,mas à lei,ao Estado,se este o representar de fato. A lei é que era fraca,não   Deus.
Dentro deste cadinho,estas ideias,laicização e ateísmo adquiriram contornos precisos. Elas,lógico,se relacionam,mas laicização é um processo coletivo e social amplo,pelo qual o homem,dentro daquilo que Horkheimer chamou de “ desencantamento do mudo”,percebe que pode dominar a  natureza,sem medo de atingir entidades supostamente perigosas e transformara  a si mesmo,sem a religião. O ateísmo deriva de atitudes individuais,com as famosas,de D´Alembert e Laplace. Tanto um como outro elaboraram sistemas matemáticos do mundo. Quando Laplace apresentou o seu projeto para D´Alembert,este teria perguntado:” Onde está Deus no seu sistema?”,ao que Laplace teria respondido:” Não tenho necessidade de Deus para construí-lo”.Quando um soldado fez uma afirmação semelhante diante de Napoleão ele teve reação idêntica. O soldado,depois de uma manobra bem-sucedida teria dito” Graças a Deus conseguimos !” ao que Napoleão teria afirmado “Deus não tem nada a ver com isso!”,como a dizer “ fui eu!”.
Esta atitude muito escandalosa para a época,começou com a ciência moderna ,que a custo teve que admitir que o Deus dos cristãos estava abalado. Apareceram os arranjos filosóficos para mantê-lo,como é o caso do Deus que dá um “ peteleco”na máquina do mundo ,mas não intervém. Ou mesmo as tentativas de religiosos sofridos como Pascal,com o seu “ Deus absconso”,” escondido”.E com a famosa aposta:” Creio em Deus fazendo uma aposta,porque se ele não existir eu não serei punido;e se ele existir não terá motivo para fazê-lo”.Apesar de tudo esta concepção abala a fé dos religiosos e das religiões.
De tudo resulta que a separação entre a igreja e o estado é cada vez maior e que dentro deste processo o ateísmo se afirma. Contudo,a laicização é um prolema geral e o ateísmo uma atitude individual. O ateísmo é assim chamado como um movimento geral na História,mas não há como ser um movimento político ou cultural porque ele reside no nada,na não-crença,em algo inexistente,logo,ex-nihilo nihil. O ateísmo só é importante de  se colocar enquanto medida do proselitismo da sociedade. Quer dizer ,o direito de ser ateu impõe à religião uma atitude plural que ela admitiu muito a contragosto a partir da década de sessenta do século passado,acabando com as vocações impostas. Mas substituir o proselitismo da Igreja pelo do Estado,como fez o stalinismo, é incorrer no mesmo erro,fazendo do ateísmo uma religião ,o que é um absurdo.
O meio de lutar contra a intolerância é fazer do estado um apoiador de todos e mostrar aos cidadãos que eles podem e devem levar os seus valores religiosos,mas que,na vida social e política,o que relevam são os problemas práticos e não ideológicos.

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