O caso Gianetti
Chamou-me
a atenção nestes programas as posições de Eduardo Gianetti,que eu queria
comentar aqui.Ele se refere ao fato de ser ruim a frase de Nelson Rodrigues”,”
complexo de vira-lata”,porque para ele é bom que o brasileiro se sinta como
tal”,segundo ele isto traz muitas possibilidades.Eu concordo com este último
conceito,mas a formulação toda padece de vicio de origem.
Inicialmente
Nelson usou esta frase como metáfora,uma metáfora moderna do Brasil,que provém
do modernismo e do “ Herói sem nenhum caráter” de “ Macunaíma “ de Mário de
Andrade.Eu já expliquei que este “ caráter” significa não maldade,mas falta de uma “ identidade”,falta de
conteúdos,indistinção.
Este
termo “ identidade” é que é o vício de origem.Como eu já narrei aqui nos meus
artigos(seguindo Cassirer[O mito do estado])),depois do fracasso da Revolução
Francesa a tendência,na Europa e no mundo todo foi a de estabelecer modelos que
dessem uma resposta alternativa ao frustrado “ direitos do homem e do cidadão”.Um destes
modelos(entre os de “ raça”,” classe”)foi o de nação,proposto inicialmente pelo
jurista Von Savigny.Na verdade o termo proposto por ele não foi o de nação,mas
o de Volksgeist,” Espírito do povo”,que seria a sua base.O “ espírito do povo”
indicaria uma característica real de uma sociedade,o qual preconizaria,pelo seu
reconhecimento,uma direção própria deste povo.O povo alemão,que é o
destinatário deste conceito,teria determinadas características que apontariam
não para uma aceitação do projeto de “ direitos do homem”,mas para uma nação
alemã forte,culta,civilizada(Branca)aristocrática,elevada,etc(e destinada a
mandar[quiçá]).
É
lógico que nesta proposição há uma intenção nacionalista,dentro de um país até
então dividido.
Então
à perspectiva iluminista de Kant ,segundo a qual a experiência dos povos é o
que interessa para a elaboração de uma sociedade,de uma nação,é oferecida uma
visão ideal dela mesma,em sua porção alemã,supostamente apartada das outras
nações e sociedades(desconhecimento da economia[a Alemanha era um país agrário]).
Aqui
no Brasil,como eco desta tendência geral do século XIX,pós revolução(com
algumas exceções ,como Kant),temos o nosso Gilberto Freyre e Mário de
Andrade,que falaram nestas “características nacionais”.
Não
há como ligá-los de modo absoluto(se isto existe) ao pensamento identitário de
Savigny,porque já havia nascido a sociologia,que punha claramente os devidos
óbices a esta idéia.No entanto,na época deles a sociologia ainda lutava para
sair do modelo natural,jusnatural,que a tornava presa das chamadas “ leis
científicas”,tão rigorosas como as das “ Ciências naturais”(Naturwisenchaften[Dilthey]).E
ainda se vê esta luta hoje mesmo,pelo exemplo,entre outros de Gianetti.
É
resultado do inconsciente,mas que traz muitos problemas,porque ficamos procurando
mediações e conceitos absolutos
,definitivos,abstratos,que não chegam perto do que é a realidade social
propriamente dita:mutável e complexa.
O
que Nelson Rodrigues quis dizer foi ,seguindo Mário de Andrade,que o Brasil era
um país indistinto,que precisava colocar conteúdos próprios,características
próprias e manter,apesar disto, aquilo que é parte de qualquer povo,a
pluralidade,que está embutida nesta indistinção.Se é verdade que,como diz
Gianetti ,a indistinção possibilita,de outro inviabiliza a construção de um
projeto nacional nosso e mais do que isto,ficar como vira-lata implica num
modelo que também pode ser e é excludente.
A
visão da “ meta-raça” de Freyre é perigosa porque cria também um limite
,através o qual outros valores e caracteres não são bem vindos(xenofobia).
Um
dos problemas da revolução de 30 é que rejeitando a influência externa sobre
nosso país rejeita também,nacionalisticamente,aquilo que é importante na vida
social:o diálogo,a comunicação.Põe-se o índio como herói e o classe média de
gravata como explorador(veja-se hoje como está a política e o Brasil totalmente
dividido).
A
perda do fundamento sociológico(por isso é que eu deploro o intelectual [ultra-]especializado)leva
a dizer que o Brasil não é mera cópia de outras nações.Lógico que não é
igual,mas os fundamentos culturais do Brasil e mesmo materiais(que estão
incluídos na cultura)são sim,ainda e em grande parte, derivados do estrangeiro.
A
indústria brasileira é moderna,mas vem de outros lugares.Os nossos elementos
básicos de cultura,religiosos,artísticos,científicos,vieram da “ modernização
reflexa “ como diz Darcy Ribeiro.
Então
há que se fazer estas críticas para daqui por diante fazer o debate nacional em
bases mais sólidas.
Não
há como falar numa “ identidade nacional”,assim como não há como falar no “
comunismo”,bem como qualquer “ ismo”.A linguagem,qualquer que seja ela,não tem
como abarcar a realidade,especialmente a realidade social.
No
inicio da sociologia era aceitável que o modelo absoluto(natural)fosse usado
para dar uma certa lógica e um certo método à “ nova ciência”.Mas com o tempo
se verifica que as leis sociológicas são tendenciais e depois Max Weber põe em
cheque o caráter destas “ leis” com a
sua sociologia compreensiva.Antes disto tudo,Marx em O Capital,ao falar em “
leis econômicas”(como a lei do pauperismo crescente da classe operária)se referia a “ tendências.
Então
sociologicamente ,um país não pode ser todo jogado num conceito abstrato que o defina,como o povo alemão in totum não tem como ser culpabilizado
pelo que fez Hitler.
Há
que ver as tendências,as linguagens,a pluralidade e diminuir a força dos modelos.
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