domingo, 17 de dezembro de 2017

O Guia do Politicamente Incorreto

O caso Gianetti


Chamou-me a atenção nestes programas as posições de Eduardo Gianetti,que eu queria comentar aqui.Ele se refere ao fato de ser ruim a frase de Nelson Rodrigues”,” complexo de vira-lata”,porque para ele é bom que o brasileiro se sinta como tal”,segundo ele isto traz muitas possibilidades.Eu concordo com este último conceito,mas a formulação toda padece de vicio de origem.
Inicialmente Nelson usou esta frase como metáfora,uma metáfora moderna do Brasil,que provém do modernismo e do “ Herói sem nenhum caráter” de “ Macunaíma “ de Mário de Andrade.Eu já expliquei que este “ caráter” significa não maldade,mas  falta de uma “ identidade”,falta de conteúdos,indistinção.
Este termo “ identidade” é que é o vício de origem.Como eu já narrei aqui nos meus artigos(seguindo Cassirer[O mito do estado])),depois do fracasso da Revolução Francesa a tendência,na Europa e no mundo todo foi a de estabelecer modelos que dessem uma resposta alternativa ao frustrado  “ direitos do homem e do cidadão”.Um destes modelos(entre os de “ raça”,” classe”)foi o de nação,proposto inicialmente pelo jurista Von Savigny.Na verdade o termo proposto por ele não foi o de nação,mas o de Volksgeist,” Espírito do povo”,que seria a sua base.O “ espírito do povo” indicaria uma característica real de uma sociedade,o qual preconizaria,pelo seu reconhecimento,uma direção própria deste povo.O povo alemão,que é o destinatário deste conceito,teria determinadas características que apontariam não para uma aceitação do projeto de “ direitos do homem”,mas para uma nação alemã forte,culta,civilizada(Branca)aristocrática,elevada,etc(e destinada a mandar[quiçá]).
É lógico que nesta proposição há uma intenção nacionalista,dentro de um país até então dividido.
Então à perspectiva iluminista de Kant ,segundo a qual a experiência dos povos é o que interessa para a elaboração de uma sociedade,de uma nação,é oferecida uma visão ideal dela mesma,em sua porção alemã,supostamente apartada das outras nações e sociedades(desconhecimento da economia[a Alemanha era um país agrário]).
Aqui no Brasil,como eco desta tendência geral do século XIX,pós revolução(com algumas exceções ,como Kant),temos o nosso Gilberto Freyre e Mário de Andrade,que falaram nestas “características nacionais”.
Não há como ligá-los de modo absoluto(se isto existe) ao pensamento identitário de Savigny,porque já havia nascido a sociologia,que punha claramente os devidos óbices a esta idéia.No entanto,na época deles a sociologia ainda lutava para sair do modelo natural,jusnatural,que a tornava presa das chamadas “ leis científicas”,tão rigorosas como as das “ Ciências naturais”(Naturwisenchaften[Dilthey]).E ainda se vê esta luta hoje mesmo,pelo exemplo,entre outros de Gianetti.
É resultado do inconsciente,mas que traz muitos problemas,porque ficamos procurando mediações  e conceitos absolutos ,definitivos,abstratos,que não chegam perto do que é a realidade social propriamente dita:mutável e complexa.
O que Nelson Rodrigues quis dizer foi ,seguindo Mário de Andrade,que o Brasil era um país indistinto,que precisava colocar conteúdos próprios,características próprias e manter,apesar disto, aquilo que é parte de qualquer povo,a pluralidade,que está embutida nesta indistinção.Se é verdade que,como diz Gianetti ,a indistinção possibilita,de outro inviabiliza a construção de um projeto nacional nosso e mais do que isto,ficar como vira-lata implica num modelo que também pode ser e é excludente.
A visão da “ meta-raça” de Freyre é perigosa porque cria também um limite ,através o qual outros valores e caracteres não são bem vindos(xenofobia).
Um dos problemas da revolução de 30 é que rejeitando a influência externa sobre nosso país rejeita também,nacionalisticamente,aquilo que é importante na vida social:o diálogo,a comunicação.Põe-se o índio como herói e o classe média de gravata como explorador(veja-se hoje como está a política e o Brasil totalmente dividido).
A perda do fundamento sociológico(por isso é que eu deploro o intelectual [ultra-]especializado)leva a dizer que o Brasil não é mera cópia de outras nações.Lógico que não é igual,mas os fundamentos culturais do Brasil e mesmo materiais(que estão incluídos na cultura)são sim,ainda e em grande parte, derivados do estrangeiro.
A indústria brasileira é moderna,mas vem de outros lugares.Os nossos elementos básicos de cultura,religiosos,artísticos,científicos,vieram da “ modernização reflexa “ como diz Darcy Ribeiro.
Então há que se fazer estas críticas para daqui por diante fazer o debate nacional em bases mais sólidas.

Não há como falar numa “ identidade nacional”,assim como não há como falar no “ comunismo”,bem como qualquer “ ismo”.A linguagem,qualquer que seja ela,não tem como abarcar a realidade,especialmente a realidade social.
No inicio da sociologia era aceitável que o modelo absoluto(natural)fosse usado para dar uma certa lógica e um certo método à “ nova ciência”.Mas com o tempo se verifica que as leis sociológicas são tendenciais e depois Max Weber põe em cheque o caráter destas “ leis” com  a sua sociologia compreensiva.Antes disto tudo,Marx em O Capital,ao falar em “ leis econômicas”(como a lei do pauperismo crescente da classe operária)se  referia a “ tendências.
Então sociologicamente ,um país não pode ser todo jogado num conceito abstrato  que o defina,como o povo alemão in totum não tem como ser culpabilizado pelo que fez Hitler.
Há que ver as tendências,as linguagens,a pluralidade  e diminuir a força dos modelos.

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