Significado
político-cultural do episódio
Não
justifica a violência.Não justifica nada,mas a violência não pode ser vista
como um problema meramente moral,de banditismo.O futebol reflete o que acontece
no Brasil e nas grandes cidades e se há sensatez,como é obrigatório,em relacioná-la
com a questão social velha de guerra,não há como analisar os problemas da
última quarta-feira só como uma questão de baderna.
No
tempo passado do futebol romântico,na época de Rivellino,que eu acompanhei
junto com meu velho pai stalinista,as massas nos estádios e no Maracanã eram
maiores e os tumultos não eram tão freqüentes ,mas de uns tempos para cá a
situação da violência piorou,no rastro da piora das condições sociais,inchaço
das cidades,falta de emprego e assim sucessivamente.
No
entanto,um fator se soma a estes problemas todos e que eu entendo ser o elemento
novo em tudo o que aconteceu antes ,durante e depois do jogo.Eu tenho repetido
aqui que não tem sentido submeter os países a formas de condução de suas
manifestações culturais vindas de fora.A História demonstra inúmeras vezes que
inocentes(supostamente)arranjos são meios subliminares de submissão de
populações inteiras a objetivos externos.
O
caso mais clássico é o uso do ópio na China,para vergar o povo e dominá-lo para
os propósitos de exploração das potências européias.
Outros
mecanismos são usados ao longo do tempo para este fim.Os ingleses enviaram o
Paxá Gordon,cidadão britânico aventureiro “ desinteressado” ,para abolir a
escravidão no Sudão.O seu objetivo era desenvolver este país?Não.Era só para
criar um mercado de mão-de-obra barata,consumidor,para os ingleses.
Na
Índia,o rígido sistema de castas livrou os ingleses de qualquer iniciativa
semelhante,mas ocorreu algo na relação
com os teares de tecido(conforme a análise de Marx[fato que ajudou depois a
Gandhi]).
Não
tenho medo de dizer que a uniformização do futebol brasileiro ao modelo europeu(e
talvez do esporte em geral)atende a objetivos iguais(não semelhantes) .Quem tem
uma visão nacional(não nacionalista) de onde vive sabe que cada país tem as
suas características e isto deriva das necessidades e desejos de cada povo.Não
raro estes costumes se põem contra interesses econômicos externos e precisam
ser extirpados.
O
Brasil é um país moderno de massas e o esporte,notadamente,claro,o
futebol,carreia para uma certa homogeneidade(para além das rivalidades
clubísticas)a nação como um todo.O Brasil não é a Europa,em que o cidadão
autótocne tem outros interesses além do futebol.Há exceções(Itália),mas de modo
geral é assim.Lá os estádios próprios são as arenas.Aqui historicamente os estádios
foram feitos para acomodar massas que adquiriram uma certa noção de nação, a
partir do Maracanã de 1950.
Este
estádio marcou o reconhecimento do período áureo da capital cultural do
Brasil,que começou a despertar com a música
popular em 35 e ganhou maior difusão com o futebol.
O
Rio de Janeiro é a síntese do Brasil, a caixa de ressonância.Esta afirmação tem
um lado positivo,cultural,mas um negativo,que é o caráter de capitalismo
autárquico do país.Aqui predominam os serviços e não uma estrutura capitalista
moderna,como em São Paulo ,em que a Capital é forte e o interior também.
Não
é que Juscelino tenha pensado em esvaziar o Rio,mas a transferência da
Capital,até certo ponto necessária,açulou nos oportunistas de toda hora de
mudança ,a fazer prevalecer os seus projetos exclusivistas,esquecendo a
história e a cultura do Estado.
Levando-se
em conta o golpe de 64,com a fusão em 1975,feita para diluir a oposição ao
regime militar,bem como o crescimento ininterrupto da migração e da violência,com
os fenômenos de exclusão e preconceito,nós vemos que o Rio vem sendo esvaziado
sim e se coloca diante de todos a questão de que se deve recuperá-lo ou acabar com ele de
vez.
A
imposição das arenas no Brasil,contra o Maracanã,o estádio das massas, esbarra
exatamente nestas massas.
O
fato novo no que aconteceu no jogo final da copa sul-americana é a
constatação,aventada indiretamente por mim em outros artigos,de que as massas
não vão aceitar esta imposição excludente,esta manipulação financeira em que o povo brasileiro é dividido no estádio do Maracanã,reduzido,nos
telões pela cidade e em casa.A televisão ganha,os bares ganham e os consórcios.Mas
as torcidas e seus valores não.
O
que mais se ouvia nas aglomerações flamenguistas no dia era que havia uma
frustração por não estar no estádio.O estádio de futebol é como o teatro grego
e como a sala de aula:não adianta transmitir por imagens,é preciso vivenciar o
momento,um desejo psicológico essencial da humanidade desde sempre.
As
peças de teatro grego só eram encenadas
uma vez e quem as via sentia a sua vida mudar,por um fato irrepetível.Tolstoi
narra em seu “ Guerra e Paz” que nos grandes jantares dos aristocratas russos
era comum ,antes do repasto,fazer um brinde e no final as pequenas taças eram jogadas ,para quebrar,no
chão,representando isto a irrepetibilidade de um momento sublime.
Ir
ao estádio e presenciar um grande jogo tem a mesma função.Em vez de lembrar de
guerras onde os parentes morrem ,o brasileiro lembra das grandes jogadas,como a
maior deste ano,a de Juan evitando o gol certo(quando ela ocorreu houve um
frisson nas aglomerações da freguesia-jacarepaguá onde moro e assisti,como
tricolor,ao jogo).
Além
do mais ,quem é boleiro(como eu[desde 71]),sabe que a torcida do Flamengo ,bem
como as grandes torcidas de massa,fazem a diferença com a sua presença in loco.O técnico Spinoza ensina
aí pela internet como superar o peso da torcida do Flamengo,quando se dirige
uma equipe muito jovem ou um time não
muito bom.
A
torcida do Flamengo(como as demais para seus clubes e times)fez a mística do seu
clube e time:a raça e o ímpeto de ganhar.Isto se conseguiu no segundo tri
campeonato ,53-54-55,na década de 50,em que a dianteira da torcida rubro-negra
se consolidou,em termos populacionais e sociais. A mística da raça,que se
cristaliza na figura dos zagueiros Pavão e Servílio;a mística do poder
influenciador da massa.
Minha
mãe acompanhou o tri em 55 e contava esta transformação decisiva do Flamengo e
da cidade do Rio de Janeiro.Sim,porque os clubes e os times são o Rio de
Janeiro,expressando os seus valores e desejos.
Não
se pode conhecer o Brasil,eu já disse em outro lugar,só com o futebol,mas o
cotidiano e suas mudanças só o futebol oferece oportunidade de conhecer,pelo que se passa na(-s) cidade(-s),porque o
brasileiro conceitua no acompanhamento do futebol.
É
um escândalo ,em termos de desenvolvimento nacional,que os jogadores feitos
pelos clubes não joguem aqui,mas na Europa.Os ganhos nos estádios ,pela presença dos grandes
atletas teriam que ser aplicados aqui e a destinação do que se ganha com o
esporte tem que reverter para estas massas que o viabilizaram,principalmente,no
plano cultural e educacional.Quero dizer:estes imensos ganham financeiros que
estes joaquin silvérios do reis,Marins,Del Nero desviam,bem como os
dirigentes,no dia-a-dia, têm que ser aplicados na abertura de escolas e
hospitais para este povo que vai aos estádios.
O
esquema claro de manipulação do Brasil pela Europa através do futebol só existe
porque estes sobas brasileiros participam da dilapidação da produção
nacional:os citados dirigentes e os empresários do futebol,favorecidos pelos
erros da lei Pelé.
Walter
Benjamin,um dos próceres da escola de Frankfurt,detestava(como a escola em
geral)as manifestações de massa,porque seriam formas de sua manipulação(ele as
analisou na época do fascismo).Os eventos de massa são em grade parte
isto,mas,numa visão mais moderna,criteriosa,é possível reverter este sentido de
manipulação para o esforço de conscientização do povo brasileiro quanto a esta
sua passividade conveniente.
É
certo que os baderneiros que organizaram a invasão não tinham consciência disto tudo que eu estou tratando
agora,mas eles se aproveitaram deste caldo de cultura,desta frustração geral da
torcida de não poder entrar no estádio para empurrar um time que não é dos
maiores,na sua percepção exata, que se
via nas aglomerações.
Os
novos estádios são uma forma de exclusão e manipulação do povo brasileiro pobre
e com as suas características raciais
conhecidas(e problemas atinentes[preconceito]).
Da
mesma forma que até hoje os estadunidenses não aceitam que Santos Dumont tenha
viabilizado o transporte aéreo,nunca aceitaram os europeus esta hegemonia
histórica do futebol nacional,que,com Tite,adquire o antigo protagonismo.
É
só ver nos documentários sobre a Copa de 70 para notar a contrariedade dos
europeus quanto à já admitida superioridade do time brasileiro de então.
O
problema da administração do Maracanã ,que não se resolve,é este,precisamente:o
consórcio quer diminuí-lo e consagrar de vez esta “ europeização” do Rio e do
Brasil ,enquanto que os clubes sabem que não podem fazer isto,excluir as suas
torcidas,até por motivos financeiros ,mas também para não por em risco o
futebol do Brasil,tornando-o engravatado,no que seria um risco de sua
extinção,objetivo que eu denuncio como sendo o da Europa.
Ninguém
me ouve,mas em futuro próximo,aquilo que
já é a norma da economia brasileira,exportar matéria-prima para as grandes
potências industriais devolverem-na em forma de bens de consumo
inacessíveis(pelo preço)ao povo,vai acontecer no futebol,porque os jogadores vão
poder jogar pelas seleções do velho continente e os clubes serão só
repassadores desta mão-de-obra qualificada,ficando o cotidiano do país sem a
mediação de afirmação da pessoa comum,na qual este cidadão tem a possibilidade
de crescimento do seu nível de consciência.
O
que está “ pegando” é que a excludência não está sendo aceita e isto é um bom
sinal.Existem pessoas,como Gérson(canhota de ouro)que defendem a solução “
Thatcher”,isto é,não ter mais futebol no Rio de Janeiro,mas isto é um perigo,porque
consagrará o interesse indireto de esvaziamento do estado.
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