segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O que aconteceu no jogo do Flamengo




Significado político-cultural do episódio


Não justifica a violência.Não justifica nada,mas a violência não pode ser vista como um problema meramente moral,de banditismo.O futebol reflete o que acontece no Brasil e nas grandes cidades e se há sensatez,como é obrigatório,em relacioná-la com a questão social velha de guerra,não há como analisar os problemas da última quarta-feira só como uma questão de baderna.
No tempo passado do futebol romântico,na época de Rivellino,que eu acompanhei junto com meu velho pai stalinista,as massas nos estádios e no Maracanã eram maiores e os tumultos não eram tão freqüentes ,mas de uns tempos para cá a situação da violência piorou,no rastro da piora das condições sociais,inchaço das cidades,falta de emprego e assim sucessivamente.
No entanto,um fator se soma a estes problemas todos e que eu entendo ser o elemento novo em tudo o que aconteceu antes ,durante e depois do jogo.Eu tenho repetido aqui que não tem sentido submeter os países a formas de condução de suas manifestações culturais vindas de fora.A História demonstra inúmeras vezes que inocentes(supostamente)arranjos são meios subliminares de submissão de populações inteiras a objetivos externos.
O caso mais clássico é o uso do ópio na China,para vergar o povo e dominá-lo para os propósitos de exploração das potências européias.
Outros mecanismos são usados ao longo do tempo para este fim.Os ingleses enviaram o Paxá Gordon,cidadão britânico aventureiro “ desinteressado” ,para abolir a escravidão no Sudão.O seu objetivo era desenvolver este país?Não.Era só para criar um mercado de mão-de-obra barata,consumidor,para os ingleses.
Na Índia,o rígido sistema de castas livrou os ingleses de qualquer iniciativa semelhante,mas  ocorreu algo na relação com os teares de tecido(conforme a análise de Marx[fato que ajudou depois a Gandhi]).
Não tenho medo de dizer que a uniformização do futebol brasileiro ao modelo europeu(e talvez do esporte em geral)atende a objetivos iguais(não semelhantes) .Quem tem uma visão nacional(não nacionalista) de onde vive sabe que cada país tem as suas características e isto deriva das necessidades e desejos de cada povo.Não raro estes costumes se põem contra interesses econômicos externos e precisam ser extirpados.
O Brasil é um país moderno de massas e o esporte,notadamente,claro,o futebol,carreia para uma certa homogeneidade(para além das rivalidades clubísticas)a nação como um todo.O Brasil não é a Europa,em que o cidadão autótocne tem outros interesses além do futebol.Há exceções(Itália),mas de modo geral é assim.Lá os estádios próprios são as arenas.Aqui historicamente os estádios foram feitos para acomodar massas que adquiriram uma certa noção de nação, a partir do Maracanã de 1950.
Este estádio marcou o reconhecimento do período áureo da capital cultural do Brasil,que começou a despertar com a  música popular em 35 e ganhou  maior difusão  com o futebol.
O Rio de Janeiro é a síntese do Brasil, a caixa de ressonância.Esta afirmação tem um lado positivo,cultural,mas um negativo,que é o caráter de capitalismo autárquico do país.Aqui predominam os serviços e não uma estrutura capitalista moderna,como em São Paulo ,em que a Capital é forte e o interior também.
Não é que Juscelino tenha pensado em esvaziar o Rio,mas a transferência da Capital,até certo ponto necessária,açulou nos oportunistas de toda hora de mudança ,a fazer prevalecer os seus projetos exclusivistas,esquecendo a história e a cultura do Estado.
Levando-se em conta o golpe de 64,com a fusão em 1975,feita para diluir a oposição ao regime militar,bem como o crescimento ininterrupto da migração e da violência,com os fenômenos de exclusão e preconceito,nós vemos que o Rio vem sendo esvaziado sim e se coloca diante de todos a questão de  que se deve recuperá-lo ou acabar com ele de vez.
A imposição das arenas no Brasil,contra o Maracanã,o estádio das massas, esbarra exatamente nestas massas.
O fato novo no que aconteceu no jogo final da copa sul-americana é a constatação,aventada indiretamente por mim em outros artigos,de que as massas não vão aceitar esta imposição excludente,esta manipulação financeira em que  o povo brasileiro é dividido no estádio do Maracanã,reduzido,nos telões pela cidade e em casa.A televisão ganha,os bares ganham e os consórcios.Mas as torcidas e seus valores não.
O que mais se ouvia nas aglomerações flamenguistas no dia era que havia uma frustração por não estar no estádio.O estádio de futebol é como o teatro grego e como a sala de aula:não adianta transmitir por imagens,é preciso vivenciar o momento,um desejo psicológico essencial da humanidade desde sempre.
As peças de teatro  grego só eram encenadas uma vez e quem as via sentia a sua vida mudar,por um fato irrepetível.Tolstoi narra em seu “ Guerra e Paz” que nos grandes jantares dos aristocratas russos era comum ,antes do repasto,fazer um brinde e no final as pequenas taças  eram jogadas ,para quebrar,no chão,representando isto a irrepetibilidade de um momento sublime.
Ir ao estádio e presenciar um grande jogo tem a mesma função.Em vez de lembrar de guerras onde os parentes morrem ,o brasileiro lembra das grandes jogadas,como a maior deste ano,a de Juan evitando o gol certo(quando ela ocorreu houve um frisson nas aglomerações da freguesia-jacarepaguá onde moro e assisti,como tricolor,ao jogo).
Além do mais ,quem é boleiro(como eu[desde 71]),sabe que a torcida do Flamengo ,bem como as grandes torcidas de massa,fazem a diferença com a  sua presença in loco.O técnico Spinoza ensina aí pela internet como superar o peso da torcida do Flamengo,quando se dirige uma equipe muito  jovem ou um time não muito bom.
A torcida do Flamengo(como as demais para seus clubes e times)fez a mística do seu clube e time:a raça e o ímpeto de ganhar.Isto se conseguiu no segundo tri campeonato ,53-54-55,na década de 50,em que a dianteira da torcida rubro-negra se consolidou,em termos populacionais e sociais. A mística da raça,que se cristaliza na figura dos zagueiros Pavão e Servílio;a mística do poder influenciador da massa.
Minha mãe acompanhou o tri em 55 e contava esta transformação decisiva do Flamengo e da cidade do Rio de Janeiro.Sim,porque os clubes e os times são o Rio de Janeiro,expressando os seus valores e desejos.
Não se pode conhecer o Brasil,eu já disse em outro lugar,só com o futebol,mas o cotidiano e suas mudanças só o futebol oferece oportunidade de conhecer,pelo  que se passa na(-s) cidade(-s),porque o brasileiro conceitua no acompanhamento do futebol.
É um escândalo ,em termos de desenvolvimento nacional,que os jogadores feitos pelos clubes não joguem aqui,mas na Europa.Os ganhos  nos estádios ,pela presença dos grandes atletas teriam que ser aplicados aqui e a destinação do que se ganha com o esporte tem que reverter para estas massas que o viabilizaram,principalmente,no plano cultural e educacional.Quero dizer:estes imensos ganham financeiros que estes joaquin silvérios do reis,Marins,Del Nero desviam,bem como os dirigentes,no dia-a-dia, têm que ser aplicados na abertura de escolas e hospitais para este povo que vai aos estádios.
O esquema claro de manipulação do Brasil pela Europa através do futebol só existe porque estes sobas brasileiros participam da dilapidação da produção nacional:os citados dirigentes e os empresários do futebol,favorecidos pelos erros da lei Pelé.
Walter Benjamin,um dos próceres da escola de Frankfurt,detestava(como a escola em geral)as manifestações de massa,porque seriam formas de sua manipulação(ele as analisou na época do fascismo).Os eventos de massa são em grade parte isto,mas,numa visão mais moderna,criteriosa,é possível reverter este sentido de manipulação para o esforço de conscientização do povo brasileiro quanto a esta sua passividade conveniente.
É certo que os baderneiros que organizaram a invasão não tinham  consciência disto tudo que eu estou tratando agora,mas eles se aproveitaram deste caldo de cultura,desta frustração geral da torcida de não poder entrar no estádio para empurrar um time que não é dos maiores,na sua percepção exata,  que se via nas aglomerações.
Os novos estádios são uma forma de exclusão e manipulação do povo brasileiro pobre e com as suas características  raciais conhecidas(e problemas atinentes[preconceito]).
Da mesma forma que até hoje os estadunidenses não aceitam que Santos Dumont tenha viabilizado o transporte aéreo,nunca aceitaram os europeus esta hegemonia histórica do futebol nacional,que,com Tite,adquire o antigo protagonismo.
É só ver nos documentários sobre a Copa de 70 para notar a contrariedade dos europeus quanto à já admitida superioridade do time brasileiro de então.
O problema da administração do Maracanã ,que não se resolve,é este,precisamente:o consórcio quer diminuí-lo e consagrar de vez esta “ europeização” do Rio e do Brasil ,enquanto que os clubes sabem que não podem fazer isto,excluir as suas torcidas,até por motivos financeiros ,mas também para não por em risco o futebol do Brasil,tornando-o engravatado,no que seria um risco de sua extinção,objetivo que eu denuncio como sendo o da Europa.
Ninguém  me ouve,mas em futuro próximo,aquilo que já é a norma da economia brasileira,exportar matéria-prima para as grandes potências industriais devolverem-na em forma de bens de consumo inacessíveis(pelo preço)ao povo,vai acontecer no futebol,porque os jogadores vão poder jogar pelas seleções do velho continente e os clubes serão só repassadores desta mão-de-obra qualificada,ficando o cotidiano do país sem a mediação de afirmação da pessoa comum,na qual este cidadão tem a possibilidade de crescimento do seu nível de consciência.
O que está “ pegando” é que a excludência não está sendo aceita e isto é um bom sinal.Existem pessoas,como Gérson(canhota de ouro)que defendem a solução “ Thatcher”,isto é,não ter mais futebol no Rio de Janeiro,mas isto é um perigo,porque consagrará o interesse indireto de esvaziamento do estado.


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