quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Domenico Losurdo e Caetano Veloso

 

Eu já tinha tomado conhecimento,há três anos,da figura de Domenico Losurdo.O que representa este autor,no periodo pós-socialismo real,pós queda do Muro e da URSS?Uma tentativa dos remanescentes socialistas e comunistas da luta que se acabara supostamente, de retomá-la,a partir de seus fundamentos mesmos,mas “reconhecendo” em termos,os erros.

É a continuidade daquele reiterado processo de autocrítica,que relativizava os erros e mantinha tudo do jeito que era antes:fadado ao fracasso.

Mas de qualquer forma algumas reflexões de Losurdo têm uma importância,porque por elas se pode discutir o futuro do movimento,pelo menos daquele que quer andar para a frente,no caminho da vida e não ficar preso ao passado.

Algus radicais,como Jonas Manoel,dirão que Shakespeare é que está certo ,” o passado é o prólogo”.Há que voltar ao passado para avançar,mas esta volta(re-volta)é para reformular o passado e é isto que se está procurando fazer.Mas aí eu retorno:ao voltar ao passado,numa autocrítica,não tem sentido permanecer no mesmo lugar ou apenas relativizá-la,fazendo-a num plano superficial,como faziam Prestes e Mao Tsé Tung.

Para Prestes se uma linha não dava certo,se a prática não se efetivava,bastava apenas fazer outra.E testar.Nunca os fundamentos estavam errados,pois eram “ científicos”.Mao tem uma frase famosa,que eu costumava ver nos folhetos das otganizações radicais da ufrj ,dando conta de que era preciso cair e levantar infinitamente até conseguir o objetivo,no que é uma conceituação pura e simples do que Prestes falava e que só serve como justificativa ideológica do uso da força,que passa por cima de tudo,arrasa tudo e constrói a utopia(raciocinio cabivel no nazismo).Ambos(entre outros)são relativizadores morais,porque nunca questionam os fundamentos.Erros em profusão revelam ou a incapacidade do agente de fazer ou falta de fundamento.E previamente qualquer teoria deve levar em conta que erros demais podem ser danosos para o movimento,para ele próprio e mais severamente para a sociedade.As precipitações da revolução russa e do maoismo levaram à morte,milhões ,porque o passo inicial foi mal fundamentado.Tostoi advertira em “ Guerra e Paz” do perigo que é ter uma iniciativa politica mal engendrada.

O fracasso do socialismo real jogou muita gente no marasmo pensativo sobre o passado e a pergunta inevitável espoucou na cabeça de cada um;”o que deu errado?”.Mas outras também:”qual foi a minha culpa?”,” tenho relação com os crimes de stálin?”.

São perguntas que demandam artigos mais alentados do que este,mas o que permeia todas elas é a exigência existencial de sentido após a sua perda,já que o militante abnegado empenha a sua vida no movimento.Caiu o movimento,acabou a vida.Foi o que levou aquele general soviético em 1989 a se suicidar,deixando um bilhete;” tudo pelo que eu vivi está desmoronando”.

Mas a maioria respira fundo e tenta ir em frente.Foi o caso de Domenico Losurdo.Mas cada pessoa reage na medida em que cada um dos elementos existenciais do problema ocupa espaço e prioridade na sua consciência.Não havendo como analisar a vida de cada um ,só se pode julgar as conclusões dos debatedores pelo que eles apresentam publicamente.

No caso de Losurdo fica claro para mim que ele está na senda de Prestes e Mao,não atacando os fundamentos.Os fundamentos da revolução russa não estão em Marx,mas em Lênin,com a “teoria do elo mais fraco”.Ponto.

Da insistência de Lênin em ligar-se a Marx ,por intermédio de “ O Estado e a Revolução” gerou-se um processo politico que degringolou até ao advento de Stálin e seus crimes.Relativizar tudo isto é cair na situação atual:reformular alguns conceitos e por cabriolés mentais e teóricos conservar tudo no lugar.

Para mim isto não tem fundamento,mas como eu disse, tentando adaptar o marxismo aos novos tempos,nós temos como relacioná-lo às questões novas e com o futuro da utopia.Se der.

Losurdo não tem razão em justificar os crimes do passado que não podem retornar nesta busca do futuro.Como são muito chinfrins as suas colocações o jeito é fazer o de sempre :atacar o outro lado.

Então Losurdo,Jonas Manoel e José Paulo Netto enveredam por esforços ingentes para realizar o que já nos anos pós-68 Althusser quisera:”Um dia o que aconteceu no Stalinismo será colocado no lugar devido”.Uma frase tipica de Prestes e Mao.

José Paulo Netto,o último da tríade renovadora do marxismo dos anos sessenta e setenta,juntamente com Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho,usa argumento idêntico(Manoel só repete)ao de Lulkacs:não é como a burguesia diz ,uma pessoa só malévola,mas um sistema.Sim mas e daí?Este sistema não foi implantado por Lênin?Sem a identificação monstruosa Estado,Partido e Sociedade(contra esta última)teria havido Stálin?O que é Stalinismo sem moralismos?É ser moralista defender que os crimes do socialismo real são como os de qualquer ditadura?Que devem ser reparados?

Mas voltando mais acima:atacar a direita é muito mais eficaz do que tentar salvar o titio Stalin,porque ninguém vai aceitar esta operação de salvamento,como sempre.Então o foco é o liberalismo,que tanto impressionou Caetano Veloso e o obrigou a sair do liberalismo,numa autocritica(outra)típica de ...Prestes.De Mao eu não digo.Caetano nunca foi ligado ao chinês.

Contudo o que salvou em grande parte o marxismo do século XX de uma desonra total foi o seu diálogo com a religião e os liberais,a partir de Gramsci,Labriola,Croce,Carlos Nelson,Leandro Konder,José Paulo,Merquior,Raymond Aron.

E o marxismo escapou porque aceitou a democracia liberal,saindo da influência nefasta de dois livros de Lênin,”A doença infantil do esquerdismo no comunismo” e “ O Renegado Kautsky e a Revolução de Outubro”,nos quais o chefe da revolução russa a relativiza(olha aí a palavra),instrumentalizando-a.Não se tratava mais de usar a democracia para virar a mesa,mas ampliá-la,ampliar a democracia liberal ,tornando-a válida para todos,no que seria o (re)-inicio do socialismo e ,quiçá,do ...comunismo.

José Merquior ensinava o liberalismo com uma distinção tomada de Aron:há uma diferença entre liberal e liberista ou liberismo .

O mercado livre ,a sua pura e simples defesa, caracteriza o liberismo,mas o liberalismo são as conquistas constitucionais modernas,o estado de direito moderno,que os comunistas usam para obter reparações pelos crimes das ditaduras...

O mercado ,assim como as religiões(por incrivel que pareça),são instâncias republicanas,porque,em princípio ,qualquer um pode participar delas,sem nenhuma condição prévia.Walter Benjamin falou sobre esta semelhança da religião com o mercado.Merquior argumentava,junto com Aron ,que não pode haver democracia sem mercado,sem comércio e realmente ,na história,os regimes mais progressistas do passado são baseados no comércio(desde os fenicios).

Contudo ,é lógico que os movimentos mudam ao longo do tempo.O liberal constitucionalista de hoje não é igual a um liberal do século XVII,como Locke.

Perceba bem o leitor ,eu tenho me esfalfado de explicar o procedimento científico,rigoroso ,de abordar a história:não é porque se defende o princípio da propriedade exposto por Locke,que se deve amar e seguir esta pessoa.Lógico que todos sabemos que Locke era um escravocrata,como todos os próceres do iluminismo eram eurocêntricos e racistas,mas a questão não é pessoal,é rigorosa,transcendente ao problema individual,embora este possa ser analisado de maneira distintiva,num outro plano.

A plataforma de direitos humanos atual ,tão defendida pela esquerda radical começou sim nos “ Direitos do Homem e do Cidadão”da Revolução Francesa,como projeto da burguesia capitalista ascendente,endereçado a todo homem.Ainda que não seja possível realizá-lo nos seus termos ,a sua legitimidade humanitária é inconteste.O capitalismo,pelo liberalismo,implica em evolução humana sim.Ainda que no inicio esta proposta histórica possuisse limitações,pode e deve ser integrada aos setores excluidos.

Domenico Losurdo dá vazão à dificuldade de aceitar a derrota ,porque ela como eu disse,fere a existência do militante,que se tivesse desde o inicio separado da atividade politica,não sofreria tanto,mas talvez,bem antes,se o fizesse,já tivesse saído do movimento e de suas contradições e...crimes.

Caetano Veloso já foi atacado pelo próprio Merquior que o chamou de “ intelectual de miolo mole” .Mas é claro que não é isto.Caetano é gênio da raça ,mas incide sobre ele problema simile ao que atingiu John Lennon:tanta é sua influência como artista que reflete sobre seu tempo e sobre seu país,que ele não resiste a ter influência social e politica,mas são dois campos diversos e todo militante que sonha com a utopia quer restaurar aquele clima de luta e camaradagem confiante que todos nós viviamos nas décadas anteriores,principalmente com este governo desassizado que está aí,mas são coisas diversas.

Há toda uma história de discussões,auto-reforma do socialismo e comunismo,diálogo com outras correntes ,que tem que ser conhecida anets de qualquer opinião.

Não resta dúvida de que o mercado,desde os fenicios,não anda sozinho,não é a solução da humanidade ,e isto levou 5000 anos para se compreender ,quando da crise de 1929.Mas a critica marxista da propriedade é,hoje,muito discutível.Se Caetano vivesse na URSS ele conservaria muito justamente aquilo que ganhou,muito justamente,na sua carreira genial?Ou em Cuba?Quem garante este seu direito?Não é o liberalismo?Não é o constitucionalismo moderno?

Infelizmente no afã de ajudar a esquerda ,atrapalhou,porque não há coisa pior para o Brasil de hoje do que ressuscitar stalin e o socialismo real.Isto é virar as costas à vida e à continuidade do movimento e é uma atitude egoista e egocentrica,infantil,de não reconhecer os erros e insistir neles,jogando água no moinho da direita que usará este revivescência como espantalho.Porque eu estou envolvido e sou mais importante do que a vida eu mantenho a minha convicção que já foi sobejamente derrotada e que se dane o movimento.Sem a reformulação dos fundamentos não há re-volta ao passado para avançar.

O caminho,no meu modo de entender, é retomar de onde parou a III internacional,salvar os principios social-democráticos da II e renová-los para fazer a esquerda vencer no primeiro mundo.A vitória de Obama criou a chance de fixar o socialismo nos Estados Unidos e daí recuperar a sua posição no primeiro mundo.Se ele permanecer a tendência se manifestará no planeta todo.



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