sábado, 13 de janeiro de 2024

O burro genial

 


Num debate eleitoral dos anos oitenta ,atinente à disputa para a prefeitura Rio de Janeiro,que reunia figuras como Gabeira ,se não me engano Darcy Ribeiro e Guilherme Palmeira,este último saiu-se com esta “eu acredito que o homem é como disse Kant :um ser racional por excelência”.Eu não sei se foi exatamente isto o que ele disse mas é por aí.

Imediatamente Gabeira redarguiu: “Ui Socorro!Vamos deixar Kant pra lá!”.Tal “ diálogo” entre os candidatos  teve muitas repercussões a favor e contra Kant.

Na eleição posterior opondo Alvaro Valle e Colagrossi este último veio com um modo d e fazer politica diferente,mais popular se referindo à novela de sucesso da época “Vale Tudo”,que girava em torno das relações entre mãe e filha:Raquel,interpretada por Regina Duarte ,a honesta,e Maria de Fátima,por Gloria Pires,a arrivista desonesta.Ele dizia : “nós devemos ser como Raquel e não como Maria de Fátima”.Ele parecia dar uma lição em Guilherme Palmeira e muito justa.

Esta narrativa retrata como a esquerda intelectualista “ entende” a politica,desde Marx:um fundamento intelectual(não científico)deve dirigir a politica e a capacidade do povo compreendê-lo se resolve forçando-o a estudá-lo.

O que Platão preconizara 2000 anos antes.Contudo a politica ,se quiser aproximar-se  do povo,a quem ela se dirige e é a sua base soberana,não tem como prosperar com este “ vicio de origem intelectualista”.

Do que adiantou para Guilherme Palmeira citar Kant?A eleição é para saber quem tem melhores propostas para o povo.Citar Kant ajudou?

A partir destas premissas,porque o povo deveria ler Kant?

Balzac ,mentor intelectual de Marx,era obcecado em se tornar rico,como homem de direita que era.Já no final da vida,desejando casar-se com o seu grande amor,a condessa polonesa Eveline Hanska,se meteu a fazer uma empresa para extrair diamantes e ficar rico.

Mas sem conhecimentos práticos ,intelectual e artista como era,meteu os pés pelas mãos e acabou falindo ,repleto de dívidas.

Marx elaborou 8 biblias ,que é O Capital ,em seus quatro volumes.Podemos falar em nove ,se considerarmos os grundrisse .

Pensando que fosse um cientista semelhante ou igual a Newton ou Darwin sempre teve a convicção de que era essencial à classe operária a sua obra.

Morreu angustiado porque a tradução inglesa não havia ainda sido feita ,num país onde a classe operária era a mais forte e mais organizada.

Historicamente ,no entanto,não foi esta classe que leu a sua obra,mas a classe média e somente nos anos sessenta do século passado.

Mesmo na Russia,depois URSS,a leitura de O Capital não foi tanta assim.

Muitos autores e o Papa João Paulo II inquinaram Marx de possuir enorme capacidade de expressão e explicação,sem ,porém ,deter a habilidade socrática de discernimento.

É a famosa “concupiscência do pensamento”,da primeira encíclica de Karol Woytila.

Eu não acho esta asserção verdadeira ,exceto por uma coisa básica:o esforço intelectual é como construir uma catedral complexa com as mãos ou conquistar um continente,como um viking,segundo a metáfora de Freud.

Uma pessoa assim perde contato com este real do cotidiano,onde está o povo,comum,na sua labuta.

Não faz diferença,a meu ver,saber o Capital,para edificar o comunismo ou solucionar os problemas sociais.

É assim que eu entendo a frase de Deng Xiao-Ping “ não importa a cor do gato desde que ele pegue o rato”.

Não adianta obrigar o povo a ler uma obra alentada se ele não sabe se vai comer no dia seguinte e é no mundo real que estão as condições para o comunismo e a solução das questões sociais.

Como Balzac,Marx(e  outros intelectuais)acha que o seu esforço ciclópico “ liberta” o povo,mas isto não é verdade,porque ele nega,por idealismo cientificista ,que não é a análise que permite esta “ libertação”,mas a pratica e a experiência constante dos povos,onde o intelectual está como qualquer outro ator,segundo a visão de Kant.

Como um autor como Marx não entende este problema é que causa espécie:é uma demonstração de que por mais capaz que seja a inteligência,o mundo real independe do intelectual.O mundo real onde o conhecimento está e se modifica no tempo.

Talvez se Marx tivesse esta percepção,escrevesse menos e alcançasse mais efetividade nas suas intenções.

E Guilherme não teria perdido a eleição e  entrado para o folclore politico.

Sabem explicar a relatividade,mas não prescrutam  o mundo real.É o burro genial.

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