quarta-feira, 4 de março de 2015

O que é ler um livro?




É  conhecida  a  história(história  ou  estória?)segundo  a  qual  um  Sultão,diante  da  Biblioteca  de  Alexandria,teria  perguntado  se  os  livros  contidos    confirmavam  o   Corão.A  resposta  foi ,claro,não.Diante  disso  este Sultão  afirmou  que  se  os livros    guardados confirmassem  o  Corão  eram  inúteis,mas  se  não confirmavam  eram  perigosos  e  deveriam  ser  suprimidos.Então  queimou  a  Biblioteca  deixando  a  humanidade  sem  informações  preciosas  sobre    o  seu  passado  mais  remoto.
Esta  história  nos  remete  novamente  para  o  caso  Charlie,mas eu  não  vou  tratar  disso  agora  não.
Trouxe  este  conto  para  discutir  o  significado  de  ler  um  livro,que,no  fundo,tem a ver  com  esta  narrativa.
Existe  o  leitor  verdadeiro  que  sabe  que   o  livro  é  um  perigo  ,mas  não  o  queima.O  livro é  um  mistério prévio  que    é descoberto quando lido  e  ao  terminá-lo  o  leitor  pode  ser mudado  e,pior,totalmente  mudado  nas  suas  mais  caras  convicções.
Quem se  aferra  a  convicções é  como o Sultão,analfabeto  e  ressentido,porque  os  outros  não  podendo  ser melhores do que  ele,estão impedidos,por  ele,de  ler.
Mas  existe  um  outro  tipo de  leitor  que  é  mais sutilmente  deletério,se  isto possível.É  aquele  que interpreta  do  jeito  que  quer  o  texto.É  aquele  que  tira  conclusões  letais  daquilo  que  bate  nos seus  olhos.É  um  tipo de  Sultão  diferente,insidioso,que  ,por dentro  das consciências  marca  com  o  mesmo  dogmatismo  ainda  que  com  a  aparência  de  exegese.
Este  é  o  leitor  religioso,que  atualiza  dogmas.Para  não  reconhecer  a  inexistência  de Adão e Eva  ele    atualiza”  o  casal  primordial  tornando-o  uma  idéia,um  valor,dogmatizado.Para  não  reconhecer  o erro de  condenar  Galileu,ele  interpreta  o  fato  como próprio  dos  tempos   em  que  os  fatos  ocorreram.
Assim  é  com  os  dogmas  da  esquerda.Os  crimes  de  Stalin  serão  reconhecidos  no  futuro  como necessários  naquele  tempo,não  importando  o  sofrimento  real  das  pessoas.
Marx tinha  o  direito  de  trair a esposa  porque  assim era  no tempo  dele.
Dentro  deste  dogmatismo de esquerda,mas  que  vale  para a  direita  também,existe  o  madarinato,o  conceito de  que    o  intelectual  chancelado pelo  poder  pode  interpretar,concordar,com  os  textos,não  o  homem  comum.
Quando  cai  um  livro  em  suas mãos,você  que    agora  este  artigo,tem  três  atitudes  a  tomar:não  entender e  deixar  o  livro de  lado.Se  entender  pode  concordar  ou  não com  ele.Tal  possibilidade  o  coloca  desde  sempre  no  mesmo  patamar  dos doutores,não  havendo  diferença  entre  um  pós-doutorado  e um cidadão  comum.A  diferença  está  na  produção,no tempo  de preparação,mas a  concordação é  a  mesma.
Como  diz Foucault ,na  nossa  época  não se fala  em  queimas  de livros  ou  torturas,mas a  postura mental  do  homem  é  ,no plano  da  consciência,a  mesma  do Sultão  e de  todos estes  exemplos  de  queimadores  de  livros  que estão por    ainda.
A  pedofilia  não é  só o ato sexual,mas  a violação da intimidade.A  tortura  não  é só sobre  o  corpo,mas  a  violação,outra  vez ,da intimidade.
A  postura  totalitária  de  nossos  dias  não é  aquela  do Sultão,mas  está  intacta  na  incapacidade  geral de ler um  livro,porque  ler um  livro  é admitir  ser mudado e  em  nosso tempo  nada  muda.

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