É conhecida
a história(história ou
estória?)segundo a qual
um Sultão,diante da
Biblioteca de Alexandria,teria perguntado
se os livros
contidos lá confirmavam
o Corão.A resposta
foi ,claro,não.Diante disso este Sultão
afirmou que se os
livros lá guardados confirmassem o Corão eram
inúteis,mas se não confirmavam eram
perigosos e deveriam
ser suprimidos.Então queimou
a Biblioteca deixando
a humanidade sem
informações preciosas sobre o
seu passado mais
remoto.
Esta história
nos remete novamente
para o caso Charlie,mas
eu não
vou tratar disso
agora não.
Trouxe este
conto para discutir
o significado de
ler um livro,que,no
fundo,tem a ver com esta
narrativa.
Existe o
leitor verdadeiro que
sabe que o
livro é um
perigo ,mas não
o queima.O livro é
um mistério prévio que só é descoberto quando lido e
ao terminá-lo o
leitor pode ser mudado
e,pior,totalmente mudado nas
suas mais caras
convicções.
Quem
se aferra a
convicções é como o Sultão,analfabeto e
ressentido,porque os outros
não podendo ser melhores do que ele,estão impedidos,por ele,de
ler.
Mas existe
um outro tipo de
leitor que é mais
sutilmente deletério,se isto possível.É aquele
que interpreta do jeito
que quer o
texto.É aquele que
tira conclusões letais
daquilo que bate
nos seus olhos.É um tipo
de Sultão diferente,insidioso,que ,por dentro
das consciências marca com
o mesmo dogmatismo
ainda que com
a aparência de
exegese.
Este é
o leitor religioso,que
atualiza dogmas.Para não
reconhecer a inexistência
de Adão e Eva ele “
atualiza” o casal
primordial tornando-o uma
idéia,um valor,dogmatizado.Para não
reconhecer o erro de condenar
Galileu,ele interpreta o
fato como próprio dos
tempos em que
os fatos ocorreram.
Assim é
com os dogmas
da esquerda.Os crimes
de Stalin serão
reconhecidos no futuro
como necessários naquele tempo,não
importando o sofrimento
real das pessoas.
Marx
tinha o
direito de trair a esposa porque
assim era no tempo dele.
Dentro deste
dogmatismo de esquerda,mas
que vale para a
direita também,existe o
madarinato,o conceito de que
só o intelectual
chancelado pelo poder pode
interpretar,concordar,com os textos,não
o homem comum.
Quando cai
um livro em
suas mãos,você que lê
agora este artigo,tem
três atitudes a
tomar:não entender e deixar
o livro de lado.Se
entender pode concordar
ou não com ele.Tal
possibilidade o coloca
desde sempre no
mesmo patamar dos doutores,não havendo
diferença entre um
pós-doutorado e um cidadão comum.A
diferença está na
produção,no tempo de
preparação,mas a concordação é a
mesma.
Como diz Foucault ,na nossa
época não se fala em queimas de livros
ou torturas,mas a postura mental do
homem é ,no plano
da consciência,a mesma
do Sultão e de todos estes
exemplos de queimadores
de livros que estão por
aí ainda.
A pedofilia
não é só o ato sexual,mas a violação da intimidade.A tortura
não é só sobre o
corpo,mas a violação,outra vez ,da intimidade.
A postura
totalitária de nossos
dias não é aquela
do Sultão,mas está intacta
na incapacidade geral de ler um livro,porque
ler um livro é admitir
ser mudado e em nosso tempo
nada muda.
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